Artigo de Igor Fuser, publicado no Brasil 247
13 de
Dezembro de 2016
Algumas pessoas têm manifestado
repúdio à perspectiva de uma candidatura Lula como alternativa ao retrocesso
brutal que o país está vivendo, nas mãos dessa burguesia golpista, vendida ao
imperialismo.
Elas defendem uma proposta
socialista, revolucionária, enfim, o ajuste de contas final, apocalíptico,
entre os trabalhadores e os patrões, com a superação definitiva do capitalismo
no Brasil. Ou a morte, é claro.
No fundo, muitas delas estão
convencidas de que o golpe "até que foi bom", pois retirou de cena
lideranças conciliadoras do tipo Lula & Dilma, inviabilizando assim um
projeto "impuro", conspurcado pela mácula dos compromissos, da
negociação.
Chega daquela história do "copo
metade cheio, metade vazio", chega de raciocínios complicados, do tipo
"por um lado, por outro lado". Chega de aceitar limites, obstáculos,
impossibilidades.
Se é para fazer política, segue esse
argumento, temos que fazer política em estado de pureza absoluta, fieis apenas
à nossa "consciência" e aos nossos livros favoritos. A terra da utopia,
ao nosso alcance, que beleza!
Para essa turma, os resultados
concretos é o que menos importa. Vale mesmo a emoção do momento. O que é viável
e o que é inviável é irrelevante. Não existe conjuntura, não existe correlação
de forças. Papo furado de reformista, de burocrata.
Dane-se a realidade, fiquemos com os
nossos desejos.
A esses eu respondo que se trata de
uma perspectiva reacionária, regressiva, pois condena a esquerda ao imobilismo.
Na prática, priorizar a defesa de um
programa socialista significa não fazer nada, desistir de qualquer protagonismo
real no país em que efetivamente vivemos, deixando a burguesia com a faca e o
queijo na mão para ferrar à vontade com os trabalhadores, com a maioria
desprivilegiada.
Se quisermos mudar alguma coisa de verdade,
precisamos sair da caixinha minúscula daquela ínfima, microscópica minoria de
brasileiros disposta a lutar pelo socialismo.
É sonho, total ilusão acreditar que
um projeto de revolução socialista tem qualquer chance no Brasil de hoje.
A questão da ordem do dia é mais
básica, mais próxima da nossa realidade do dia a dia: lutar por DIREITOS,
educação pública e gratuita, o fortalecimento do SUS, previdência universal em
condições dignas, saneamento básico para toda a população, valorização do
salário, manutenção dos direitos trabalhistas, transporte público acessível,
cultura, reforma agrária, democratização da mídia, igualdade racial e de
gênero.
Reforma política progressista,
reforma do Judiciário e dos organismos policiais, democracia verdadeira e participativa.
Desenvolvimento efetivamente sustentável, o petróleo do pré-sal para o povo
brasileiro e não para as transnacionais.
Isso é que é ser verdadeiramente
revolucionário, sem usar a palavra revolução. Isso é o projeto popular para o
Brasil.
Mas é coisa pra quem quer mudança de
verdade, e não para revolucionários de araque, só de blá-blá-blá.
O Brasil real não é um centro
estudantil, não é uma assembléia de alunos das ciências sociais da USP.
A verdadeira esquerda é aquela que se
propõe a fazer política para multidões, para mudar um país de 200 milhões de
habitantes dos quais 90% têm a Rede Globo como única fonte de informação e 50
milhões são evangélicos.
Um projeto desse tipo, para mudar de
verdade, a partir das condições de hoje e não só dos nossos sonhos e desejos,
passa por Lula e pelo PT.
Se a candidatura Lula será viável ou
não é outra história, e é importante que mudanças básicas ocorram no PT para que
ele se coloque à altura do seu papel histórico, ou ao menos se aproxime disso.
Pode não dar certo, pode ser que Lula
seja preso ou impugnado como candidato, e o destino do PT é incerto - pode ser
destruído pela repressão golpista/fascista em ascensão, pode se autodestruir
nas mãos dos frouxos e dos traidores.
Mas está quadradamente enganado quem
acredita que, se essa tragédia se consumar, a luta dos trabalhadores avançará
um milímetro sequer.
Não surgirá outro partido de massas
no lugar do PT, e o espontaneísmo das lutas localizadas se esgota em si mesmo
se não alcançar um saldo organizativo sólido, se não se articular com
movimentos sociais mais amplos, de dimensão maior, permanentes.
Sem lideranças respeitadas, testadas
na luta, rostos e nomes conhecidos, dirigentes políticos capazes de obter a
confiança (e o voto) de milhões e milhões de pessoas comuns, seremos incapazes
de avançar um único passo.
É completa cegueira – ou pior,
oportunismo vil -- torcer pela destruição do maior partido de esquerda do mundo
(o PT) e pela morte política do maior líder popular de toda a história
brasileira (Lula).
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