No período em que fiz parte do PT, em uma das últimas campanhas de
eleição, em determinada reunião plenária dos grupos que elaboravam propostas
setoriais, fiz uma de minhas poucas e “desastradas” intervenções. Como
coordenador do grupo de trabalho de energia, em meu nome, admiti que a cúpula
do partido fizesse acordos com outras forças – partidos e atores econômicos,
mas que o fizessem dentro de parâmetros e limites que fossem debatidos naquela
assembleia, para que nossas propostas de governo fossem a sério.
Não devo ter dito isso nesses exatos termos, mas de fato contestei
a legitimidade de acordos que permaneceriam secretos e que sentia, poderiam
invalidar ou pelo menos mutilar muitas das propostas que iam sendo elaboradas
para ser apresentadas ao eleitorado. Eu não participava de nenhuma cúpula, e
tinha ojeriza aos grupos em que o PT estava dividido, incluído aí o grupo que
se tornou dominante, o de Lula e José Dirceu.
Essa intervenção foi recebida com quase unânime hostilidade pelos
participantes (só depois da reunião um ou dois militantes se aproximaram para
se solidarizar com minha fala). Mais tarde, fui observando as prevaricações
aparentes do governo de Marta Suplicy na cidade de São Paulo: o fato de não
constituir a prefeitura como parte lesada em uma investigação em outro país, a
Suíça ou os Estados Unidos, sobre dinheiro na posse de Paulo Maluf, o fato de
se ter construído uma selva de pedra em meu bairro – Cidade São Francisco, sem
dar uma contrapartida por ser grande gerador de tráfego, como exigia a lei. E a
famosa carta aos brasileiros de Lula com candidato em 2001, que ao mesmo tempo
em que procurava se legitimar perante o poder financeiro nacional e
internacional legitimou as ações lesivas ao país do governo Fernando Henrique
Cardoso.
Eu sabia que corriam negociações por cima de todos nós, fossemos
petistas ou não. Não era o que queríamos, depois da ditadura. Ignorava que a
cleptocracia brasileira não seria combatida de fato, nem interrompida com os
governos de Lula e Dilma. Notem bem, não estou dizendo que eles introduziram ou
pioraram a corrupção. Isto é a mentira que a direita quer pregar para voltar ao
poder pleno e radicalizar nas desnacionalizações, privatizações e ações
assemelhadas. Estou tratando de levantar, isso sim, a questão das formas de
poder que são exercidas fora das vistas dos meros cidadãos. Estou sendo claro?
A maior parte da esquerda não reagiu, porque apesar dessas
mudanças de postura no poder ainda considerava os seus políticos como parte
dela que estariam fazendo concessões táticas enquanto retinham a visão
estratégica de projeto de Brasil para médio e longo prazo. Assim como aconteceu
em países da Europa como França e Espanha. Assim, a esquerda pouco cobrou dos
novos governantes, que de todo modo fizeram avanços importantes que já citei
mais vezes neste blog, e que não deveriam ser revertidos.
A questão aqui é que os acordos secretos, descendentes diretos dos
conchavos da política estudantil e dos conchavos de sindicatos com os patrões,
privam os trabalhadores e os cidadãos comuns da possibilidade de ter algum
controle sobre seus líderes eleitos. Ao mesmo tempo, eles são a ferramenta
básica das formas superiores de corrupção. Superiores no sentido de afetarem e,
escala maior tanto as finanças como a direção estratégica da economia.
Os conchavos das elites dominantes são antigos como o Brasil,
desde seu início como colônia, assim como a ocultação das forças por trás das
ações dos governos. Nunca o Brasil foi vendido abertamente, embora uma
economista ex-libelu tenha louvado a farra privatista e desnacionalizante
do governo Fernando Henrique Cardoso exatamente nesses termos e em público
, provocando a fúria pontual de um distraído general. Mas foi vendido
fora do conhecimento dos brasileiros comuns, e as imposições das potências
imperiais após a independência sempre foram empurradas para debaixo do tapete.
Corrupção de origem estrangeira sempre foi um fato básico da
política brasileira, de Portugal a Inglaterra, Estados Unidos e vários países
europeus. Assim como a corrupção doméstica, basicamente mecanismos extra-oficiais (ilegais)
portanto ocultos, de transferência de recursos e riquezas do país para
indivíduos e grupos privados.
O IPES e o IBAD, abertamente financiados pelos Estados Unidos na
preparação do golpe de 1964, foram apenas a ponta do iceberg. Na história
recente do Brasil, a atuação dos agentes da CIA, de tempo integral ou parcial,
de nacionalidade estadunidense ou brasileira, dos agentes informais
representados pelos dirigentes das grandes empresas estadunidenses aqui
instaladas e pelos ideólogos da globalização subordinada instalados nas
universidades, e que defendem interesses que quase sempre se chocam com o
desenvolvimento da economia e da soberania brasileiras, constitui uma
inexistência em nossa mídia e no discurso dos políticos de centro-direita e de
centro-esquerda (quase a totalidade).
Essas forças e esses mecanismos de ocultação continuam como
sempre. A emergência de novas armas do império, como a vigilância planetária da
internet e a expansão mais recente do poderio militar com bases militares
convencionais e de drones,
mais a multiplicação de ações de alta violência e terrorismo pelo complexo CIA-
JSOC, (comando conjunto de operações especiais na sigla em inglês), e
pela DEA (administração do controle legal de drogas na sigla em inglês) não
muda a estrutura de poder do poder mundial. Ela conta sempre com as ações do
governo dos EUA e de seus agentes no exterior, de tempo integral ou não, pagos
ou não, conscientes ou não, em todos os países do mundo: amigos, aliados e
inimigos.
Ter conhecimento dos mecanismos ocultos de poder talvez não mude
muito a correlação de forças no país. Mas se o público continuar a ignorar ou
subvalorizar a importância desses segredos, isso certamente impedirá que a democracia
funcione no processo de emancipação dos brasileiros como povo e do Brasil como
nação.
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