Intenção de ser vacinado por afiliação religiosa nos EUA:
Ateus: 90%
Agnósticos: 80%
Católicos: 77%
Protestantes negros: 64%
Protestantes brancos: 54%
Evangélicos brancos: 45%
E mais:
+ Um estudo relatado no Academic Times conclui que as taxas de mortalidade de COVID são cerca de 1,8 vezes maiores em estados com governadores republicanos ...
+ Evidências bastante sólidas de que as vacinas estão funcionando: com mais de 70% dos idosos com pelo menos uma injeção de vacina, as visitas a prontos atendimentos para COVID caíram 80%.
Uma importante figura da bandidagem jurídica, o processo que transformou Fachin em traidor ainda está por ser esclarecido. Peguei no Diário do Centro do Mundo.
De toda a sucessão de eventos transmitida pela internet para o Brasil e o mundo, relativa ao julgamento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro,
nada foi tão simbólico da degradação resultante da Operação Lava Jato,
na estrutura orgânica do Poder Judiciário, do que o surto final do
ministro Edson Fachin.
Como naquela cena de “Zoolander”, na qual o personagem de Ben Stiler,
incapaz de assimilar a derrota, sobe ao púlpito de um concurso de
beleza para receber um prêmio outorgado a seu principal inimigo, o
inconsciente de Fachin o obrigou a entabular um discurso de vitória sem
fazê-lo perceber que, naquele momento, não havia ninguém naquela
histórica transmissão mais derrotado do que ele.
Com uma aparência fantasmagórica, impulsionado por uma força ainda
misteriosa centrada na origem de sua conversão de frenético apoio ao
lavajatismo, Edson Fachin danou-se a falar, imerso em uma ilusão
ultradimensional, transportado, por um desespero quase sólido, de tão
visível, para a areia movediça do rídículo, do bizarro – esse campo da
infâmia onde os traidores e os covardes encerram carreiras que lhes
pareciam tão promissoras.
A presidenta Dilma Rousseff cometeu alguns erros, é fato, mas a
indicação de Edson Fachin para o Supremo Tribunal Federal não foi um
deles. Dilma, nessa caso, foi vítima de uma traição vil. O nome de
Fachin foi chancelado por diversos setores da esquerda do Paraná, dada
sua atuação histórica, como advogado, na defesa da reforma agrária e dos
direitos humanos. Teve apoio do MST e de boa parte do PT, partido para o
qual posou, em depoimento gravado, prestando apoio público à
candidatura de Dilma, em 2010.
A indicação de Fachin ao STF, em 2015, foi tão tumultuada, que Dilma
pensou em desistir dela, dada a possibilidade de o Senado Federal
rejeitar a presença de um esquerdista tão radical na conservadora
Suprema Corte brasileira.
Fachin tomou posse como ministro do STF em 16 de junho de 2015. Em 13
de julho do mesmo ano, portanto, 27 dias depois, o procurador federal
Deltan Dalagnol, chefe da força tarefa da Lava Jato, em Curitiba, enviou
a seguinte mensagem a seus capangas, em uma conta do Telegram: “Aha,
uhu, o Fachin é nosso”.
As razões dessa súbita cooptação e a conversão de Fachin a escudeiro
da Lava Jato no STF ainda são um mistério, mas não é delírio deduzir que
há alguma coisa muito grave nessa relação do ministro com a quadrilha
comandada por Sérgio Moro e Dalagnol. Desde sempre, ficou evidente a
submissão do ministro a uma gangue montada, com dinheiro público, para
prender Lula e destruir as indústrias naval, de construção civil e de
petróleo do País, sob comando de autoridades dos Estados Unidos e da
Suíça.
A cena final do julgamento da suspeição de Moro, na qual Fachin
aparece balbuciando frases desconexas, dando satisfação a interlocutores
ocultos, apenas reforça essa suspeita.
Ainda irá se passar muito tempo até a História do Brasil registrar
cena, ao mesmo tempo, tão humilhante e sinistra como essa protagonizada
por Fachin, uma performance que, de tão triste, pareceu a agonia de um
animal mortalmente ferido.
Pela primeira vez, os oprimidos desejaram
não a volta a um passado “ideal”, mas um mundo nunca antes existente,
diz o filósofo. E explica por que, em sua opinião, voltou a ser possível
imaginar uma sociedade livre do capitalismo
Publicado 22/03/2021 às 19:39 - Atualizado 22/03/2021 às 20:09
Entrevista a Nuno Ramos de Almeida, em Abril Abril, parceiro editorial de Outras Palavras em Portugal
Em 2009, o pensador esloveno organizou, com o seu camarada de
pensamento Alain Badiou, um encontro no qual participaram 15 nomes da
Filosofia contemporânea sobre «A Ideia do Comunismo». O conceito
do evento baseava-se no nome de comunismo que continuava a ser o mais
indicado para, usando a expressão do Marx sobre a experiência da
Comuna de Paris, tomar os céus de assalto. Esta conversa tem como
pretexto a primeira tentativa de os explorados tomarem o poder, mas
não fica no passado. A discussão é sobre os combates do presente e
as suas ligações a esta corrente da História e das lutas.
O aniversário da Comuna de Paris é uma recordação de
uma outra época perdida ou é uma data que ainda ecoa nos dias de
hoje?
Penso que é uma data muito importante, mas ambígua nos dias de
hoje. Em primeiro lugar, não nos podemos esquecer, se somos
comunistas, que apesar de haver a propensão para apresentar a Comuna
de Paris como um desenvolvimento das ideias de Marx em relação às
revoluções, nos communards havia muitas tendências:
anarquistas, federalistas, blanquistas e dentro deles os membros da
primeira Internacional, fundada por Marx e Engels. Os marxistas
estavam em minoria. No entanto, o significado especial da Comuna de
Paris é ser a primeira vez que as classes trabalhadoras tentam
conquistar o poder e criam uma verdadeira zona libertada.
Apesar da sua duração efémera, não podemos subestimar
o que significou como referência para revoluções posteriores.
Não sei se as pessoas conhecem este episódio real passado com
Lênin, depois da Revolução de Outubro, quando os bolcheviques
conseguiram manter-se no poder mais de 73 dias, ultrapassando o
número de dias que a Comuna de Paris sobreviveu. Lênin, isto está
provado, ficou tão feliz que começou a dançar no meio da neve. Era
algo completamente incrível. Lênin tinha dois modelos – os
jacobinos e a Comuna de Paris.
Temos de celebrar estes 150 anos, claro. O problema é como pode
ser lido o que aconteceu e quais as implicações nos dias de hoje.
O que caracteriza agora a situação nos países ditos
desenvolvidos é uma insatisfação crescente das pessoas com os
sistemas de representação democrática que temos, que não
conseguem captar a vontade das pessoas. Ambicionam mais
democracia, mas assistimos a uma espécie de revolta, dessas mesmas
pessoas, contra a forma como funciona o sistema democrático.
Veja-se o caso das manifestações do «coletes amarelos» na
França, onde no início não havia nenhuma comunicação entre os
representantes eleitos do povo e os manifestantes. Isto mostra a
crise da democracia parlamentar. É claro que ela já não funciona
no capitalismo.
Precisa de ser suplementada pelos dois lados: pela base, com a
auto-organização das pessoas, mas também pelo topo. Necessitamos
de governos com projetos a longo prazo.
Não sou simpatizante da forma como a China é governada hoje. Mas
falei há pouco tempo com um chinês que me disse algo muito
interessante: que o problema no Ocidente é que os governos apenas
pensam como podem sobreviver nas próximas eleições. Na China não
há esse problema, já se sabe quem estará no governo. A questão
põe-se como é que a China se vai tornar na primeira potência
mundial em 2050, ou até antes. Eles conseguem pensar a longo prazo.
A Comuna tinha essa outra forma de pensar como mudar o
poder e as suas preocupações?
É por isso que a Comuna de Paris é atual. Houve uma revolta
daquilo que era precário, dos pequenos artesãos, dos elementos mais
frágeis da pequena burguesia, mobilizaram-se as classes
trabalhadoras, que ainda não eram aquilo a que chamaríamos de
classe operária clássica.
Isso é muito atual, todo o descontentamento que vemos hoje não
fica esgotado na tradicional classe operária. Existem precários,
mulheres com trabalhos não remunerados, empregados e até pessoas
que são exploradas mesmo sem terem trabalho.
Veja-se o caso de um país da América Latina como o Equador. Até
se pode não ser explorado por multinacionais que operam lá, mas
essas empresas arruínam o ambiente. Não se é explorado na forma
clássica, mas se é «explorado» em termos da própria vida, porque
o ambiente e a existência são destruídas por essas empresas. Isso
acontece na Índia, na América Latina, na África e em muitas partes
do planeta.
A Comuna de Paris pode dar-nos ensinamentos sobre o campo de luta.
O problema é que hoje, na situação atual, o modelo da democracia
local – pessoas auto-organizarem-se em conselhos – tem certos
limites. Temos de ter capacidade de construir redes mais globais.
Hoje, se quisermos lidar não só com a pandemia mas até com as
catástrofes ecológicas tem de haver uma forte cooperação
internacional. A democracia local não chega para resolver os
problemas do presente. Temos que reinventar outras formas mais
globais. Não acredito num governo mundial, mas é preciso chegar a
outro nível.
Vejamos o caso da energia e no que temos de fazer para conseguir
eletricidade e energia suficientes. Isto não é possível a nível
local, muitas vezes nem a nível nacional, precisamos de uma espécie
de larga cooperação internacional. Por isso, o meu pessimismo.
A Comuna de Paris falhou, por que é que se mantém no
nosso imaginário?
Penso que a Comuna de Paris estava destinada a falhar. Estou
convencido que mesmo a maioria dos franceses, por manipulação e
preconceitos ideológicos, se opunha à Comuna. Foi um acontecimento
muito circunscrito, mas algo de extraordinário se passou, algo que
transcendeu rebeliões anteriores, como a dos escravos
espartaquistas, em que pretendia-se um regresso a alguma situação
imaginada de um passado, como um regresso à comunidade de origem.
Na Comuna, pela primeira vez, desejou-se um mundo novo, algo não
existente. Olhar para a Comuna de Paris permite-nos repensar algumas
ideias do marxismo. Temos de conseguir incorporar no «proletariado»
de hoje, não apenas os trabalhadores clássicos, mas muitas pessoas
e camadas em luta, como as populações indígenas, os trabalhadores
precários, e muitos outros dos atuais explorados.
A Comuna de Paris não é passado, é um momento da História em
que, pela primeira vez, se pensou em mudar tudo.
Você citou várias vezes, nos seus
livros, uma passagem de Fredric Jameson na qual dizia que o maior
problema é que as pessoas imaginam como mais possível uma invasão
de extraterrestres do que o fim do capitalismo. Este não é o
problema de teses que se limitam a pedir maior
democracia sem pôr na ordem do dia o fim do capitalismo?
Sim, tem sido difícil imaginar sociedades para além do
capitalismo mas, ao mesmo tempo, o próprio capitalismo está
mudando, está entrando numa nova fase em que há possibilidades de
luta contra ele, emancipatórias.
Veja-se como, no meio desta crise, o que até políticos
conservadores são obrigados a fazer. Biden está “dando” 1,9
biliões de dólares, sobretudo às empresas mas também às pessoas
para a enfrentarem. Isto é quase uma espécie de rendimento básico
incondicional para quem trabalha. Quando olhamos para a pandemia e a
crise ecológica percebe-se que o mercado global capitalista não
consegue responder a estas questões. É necessária uma economia
cada vez mais socializada. Os mercados podem ser competitivos
localmente para motivarem as pessoas pela concorrência, mas
globalmente a economia de mercado capitalista não funciona.
O que é fascinante com esta situação de pandemia – não
acredito que nos leve ao comunismo – é que se alguém tivesse
proposto há dois anos políticas que hoje os conservadores são
obrigados a fazer, como dar dinheiro a pessoas comuns, dizer que é
preciso serviços nacionais de saúde universais, admitir que o
aquecimento global é um problema, ninguém acreditaria possível que
tudo isso aparecesse na agenda política da atualidade. São
problemas que não podem ser resolvidos no campo do capitalismo.
O paradoxo é que a sucessão de crises compelem-nos a pensar fora
do quadro do capitalismo. Voltando a Biden, que é tudo menos
socialista, ele entregou 1,9 biliões de dólares. É uma ação
completamente louca dentro do capitalismo de mercado.
Muitos amigos meus dizem que o capitalismo faz sempre isso quando
há uma guerra ou uma crise generalizada e que depois tudo voltará
ao «normal». Eu acho que simplesmente não haverá nenhum retorno
possível ao normal.
Com a pandemia, a crise vai agravar-se e vai haver novas e grandes
explosões sociais. O irônico é que apesar de a maioria das pessoas
ainda não ser capaz de imaginar um mundo sem capitalismo, mesmo os
que estão no poder são obrigados a fazer políticas fora do quadro
do capitalismo.
É um ponto de não retorno?
Estamos num momento incrível. O capitalismo, como o conhecíamos,
está sob fogo. Por isso tentam inventar um novo capitalismo. Temos
Trump, Bolsonaro e o momento bárbaro, deixem as pessoas morrer e os
lucros e os mercados funcionarão por si; temos, por outro lado, o
capitalismo tecnocrático de Bill Gates, Zuckerberg e companhia – um
capitalismo digital de vigilância.
Até os capitalistas sabem que tudo está mudando e que não se
vai regressar ao velho capitalismo. Não subestimem o que está a
provocar a pandemia. Vejo potencialidades emancipatórias para depois
da pandemia. São apenas possibilidades, pode até acontecer que tudo
piore e caminhemos para sociedades ainda mais autoritárias.
Não estamos apenas numa crise sanitária, em que se tem de
esquecer a política e tratar de sobreviver, as sociedades estão
mudando radicalmente.
Estou de acordo com aqueles que dizem que esta classe de
capitalistas muito ricos, como Bill Gates, Jeff Besos, Zuckerberg e
outros, fazem o capitalismo tornar-se semifeudal.
A exploração mudou. Não só existe apropriação do trabalho
que produz mercadorias, como a nossa própria comunicação com os
outros e até o tempo da nossa vida é privatizada. Se queremos
comunicar temos de lhes pagar uma renta. É esta a alteração
radical do capitalismo. Em vez de filosofar e dizer que não temos um
modelo do que pode ser a sociedade para além do capitalismo, eu,
como bom marxista, diria: vejam o que ocorrendo com o próprio
capitalismo.
O capitalismo sobreviveu a várias crises, as crises são
muitas vezes a forma de funcionar do próprio capitalismo. Voltando à
Comuna de Paris, não é preciso inventar instituições diferentes
das capitalistas? Para além das explosões de manifestações
cíclicas, não se tem de inventar outras formas novas de poder?
Concordo, mas penso que a pandemia e a crise abrem uma brecha no
capitalismo. Mesmo quando pensamos nos momentos simpáticos, como o
Occupy Wall Street nos EUA, onde milhares de manifestantes,
na maioria jovens de classe média, tinham reivindicações muito
limitadas; se virmos os «coletes amarelos», na França, que
simplesmente não tinham a capacidade de traduzir o seu
descontentamento numa nova forma social de organização. O mesmo se
passou com os Indignados e a formação do Podemos na Espanha,
que hoje não passam de uma parte pequena da social-democracia.
Mas concordo que o preço que estamos a pagar por isso é a
erupção de um novo populismo de extrema-direita. Quando se diz que
não há alternativa ao capitalismo, eu afirmo que o capitalismo está
numa crise profunda e a prova é o aparecimento do populismo de
extrema-direita.
Como dizia Walter Benjamin, «cada fascismo é um sinal de uma
revolução fracaassada». Hoje, o emergir do populismo de
extrema-direita é um sinal de insatisfação que a esquerda não
conseguiu canalizar. Por isso sou otimista a longo prazo.
Bernie Sanders disse uma coisa extraordinária. Afirmou que o
Partido Democrata não se devia preocupar com a classe média alta, e
que os seus votantes são muitos daqueles que votaram no Donald
Trump, que estão insatisfeitos com a liberalização econômica e
que ficarão insatisfeitos com as soluções de mais neoliberalismo
de Trump.
Devemos apresentar-lhes outras soluções. Não dou como certo que
o capitalismo não se consiga reinventar. É possível. Mas vejamos
no que o capitalismo se está se ornando. Os países capitalistas com
mais sucesso são os modelos autoritários de capitalismo que juntam
modelos de crescimento dos lucros com o nacionalismo ditatorial.
O problema, regressando a Benjamin, é que existe uma
crise do capitalismo e o aparecimento da extrema-direita, mas, ao
contrário dos anos 1930, não
existe um forte movimento operário, comunista, revolucionário
mundial, nem a União Soviética, para se oporem ao ascenso do
nazismo.
O grande desafio é como reinventar a esquerda. Podemos ser
eficientes na luta contra a covid-19 e no controle das alterações
climáticas sem cair num modelo autoritário chinês de controle
social. Muita gente elogia a forma como a China conseguiu controlar a
covid-19. Mas esse não pode ser o único critério.
Em Taiwan, que nada tem a ver com o comunismo, conseguiram
controlar, de maneira autoritária, ainda melhor do que na China
continental.
Precisamos de novas formas de solidariedade e de sociedade. Mas, a
este respeito, não sou otimista a curto prazo. O meu otimismo
alimenta-se do meu pessimismo. Esta crise vai aprofundar-se e obrigar
mais gente a bater-se por socializar as coisas e colocar cada vez
mais a economia em comum. Terá de haver um controle social de
combate às pandemias, de produção das energias e de como
combatemos a degradação ecológica. Nesse sentido, sim, sou
otimista. Não acho que esta crise seja resolvida com as vacinas. As
pandemias vão-se suceder e para as combater é preciso novas formas
de resposta social fora do capitalismo.
Leviatã parece estar se posicionando para uma matança geopolítica
tipo Kill Bill - embora brandindo uma enferrujada espada de samurai de
aço de alto carbono.
Como seria de se prever, os senhores do Deep State dos Estados Unidos
não contaram com a possibilidade de virem a ser neutralizados por uma Técnica de Cinco Pontos que Explode o Coração geopolítica.
Em um ensaio cáustico e conciso,
Alastair Crooke apontou para o cerne da questão. Aqui vão os dois
principais insights - incluindo uma elegante alusão orwelliana:
"Assim que o controle sobre o mito justificador da América foi perdido, a máscara caiu".
"Os Estados Unidos pensam em liderar as potências marítimas e
costeiras na imposição de uma amarga derrota psicológica e tecnológica à
aliança Rússia-China-Irã. No passado, o resultado teria sido
previsível. Desta vez, é perfeitamente possível que a Eurásia se coloque
solidamente contra uma Oceania enfraquecida (e uma Europa acovardada)".
O que nos leva a duas cúpulas interligadas: o Quad e a China-EUA 2+2 no Alasca.
O Quad virtual, ocorrido na sexta-feira passada, veio e se foi como
nuvem passageira. Quando o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi,
disse que o Quad "era uma força para o bem global", não é de admirar que
muitas sobrancelhas tenham-se arqueado por todo o Sul Global.
O Ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, observou, no ano
passado, que o Quad era parte de uma iniciativa de criar uma "OTAN
asiática".
E é. Mas o hegêmona, reinando sobre a Índia, o Japão e a Austrália,
não pode afirmá-lo com todas as letras. Daí a retórica vaga sobre um
"Indo-Pacífico livre e aberto", "valores democráticos", "integridade
territorial" - linguagem-código para caracterizar a contenção da China,
em especial no Mar do Sul da China.
O sonho molhado excepcionalista - rotineiramente expresso na
Think-tanklândia americana - é posicionar uma bateria de mísseis na
primeira cadeia de ilhas, apontando para a China como um porco-espinho
armamentista. Pequim tem perfeito conhecimento disso tudo.
Fora uma mansa declaração conjunta,
o Quad prometeu entregar um bilhão de doses de vacinas contra a
covid-19 a toda a região do Indo-Pacífico até o fim de... 2022.
A vacina seria produzida na Índia, financiada pelos Estados Unidos e o Japão, e a logística de distribuição viria da Austrália.
Tudo isso, como seria previsível, foi rotulado de "contrapor-se à
influência chinesa na região". Pouco demais, tarde demais. O cerne da
questão é: o hegêmona está furioso porque a diplomacia da vacina chinesa
vem tendo um estrondoso sucesso - não apenas na Ásia, mas por todo o
Sul Global.
Isso não é "diálogo estratégico"
Tony Blinken, secretário de estado dos Estados Unidos, não passa de
um mero apparatchick e ardoroso chefe da torcida do Choque e Terror
usado contra o Iraque há dezoito anos, em 2003. Naquela época, ele era
chefe de gabinete para os democratas na Comissão de Relações Exteriores
do Senado, então presidida pelo Senador Joe Biden.
Agora, Blinken está na direção da política externa dos Estados Unidos
para uma entidade de papelão senil que balbucia, ao vivo, em frente às
câmeras: "Eu faço tudo que você quiser que eu faça, Nance" falando a
Nancy Pelosi; e que descreve o presidente russo como "um matador",
"desalmado", "que irá pagar um preço".
Parafraseando Pulp Fiction: "A diplomacia morreu, baby. A diplomacia morreu".
Tendo isso em mente, não há muita dúvida de que o formidável Yang
Jiechi, diretor do gabinete da Comissão de Relações Exteriores do Comitê
Central do Partido Comunista da China, lado a lado com o ministro das
relações exteriores Wang Yi, irão fazer sopa de barbatana de tubarão de
seus interlocutores Blinken e do Consultor de segurança nacional Jake
Sullivan na cúpula 2 + 2 em Anchorage, no Alasca.
Apenas dois dias antes do início das Duas Sessões de Pequim, Blinken proclamou que a China é a "maior ameaça geopolítica do século XXI".
Segundo Blinken, a China é o "único país com poder econômico,
diplomático, militar e tecnológico para ameaçar seriamente o sistema
internacional estável e aberto - todas as regras, valores e relações que
fazem com que o mundo funcione como queremos, porque, em última
análise, esse sistema serve aos interesses e reflete os valores do povo
americano".
Blinken, portanto, admite que o realmente importante é "que o mundo
funcione como queremos" - "nós", aí, se referindo ao Hegêmona que,
antes de mais nada, foi quem estabeleceu essas regras. E essas regras
"servem aos interesses e refletem os valores do povo americano". Ou,
melhor dizendo, tem que ser do jeito que nós queremos e ponto final.
Blinken poderia até ser desculpado, por ser um novato deslumbrado no palco internacional. Mas fica ainda muito mais vergonhoso.
Aqui vai um breve resumo de sua política externa ("sua" porque o
holograma que ocupa a Casa Branca precisa receber em seu fone de ouvido
instruções 24/7 até para saber que horas são).
Sanções, sanções por toda a parte, Guerra Fria 2.0 contra a Rússia e o
"matador" Putin; a China culpada de "genocídio" em Xinjiang; um estado
notoriamente apartheid ganhando passe livre para fazer o que bem
entender; o Irã tem que piscar primeiro ou não haverá retorno ao acordo
nuclear; Guaidó Aleatório reconhecido como Presidente da Venezuela, e a
mudança de regime continuando como a grande prioridade.
Aqui, está em jogo um curioso kabuki. Seguindo a lógica da proverbial
porta giratória típica do Distrito de Colúmbia, Blinken foi um dos
sócios fundadores da WestExec Advisors,
cuja principal linha de ação é oferecer "conhecimentos políticos e
geopolíticos" a multinacionais americanas, cuja esmagadora maioria tem
interesse - em que mais seria? - na China.
O Alasca, então, talvez, em certa medida, aponte para um trade-off na
área do comércio exterior. Mas o problema parece insuperável. Pequim
não quer abrir mão do lucrativo mercado americano e, para Washington, a
expansão da tecnologia chinesa no Ocidente é anátema.
O próprio Blinken esvaziou o Alasca dizendo que não se trata de
"diálogo estratégico". Então, estamos de volta ao apoio à fraude do
Indo-Pacífico; a recriminações sobre a "perda de liberdade" em Hong Kong
- cujo papel de quinta-coluna para os Estados Unidos/Reino Unido agora
acabou definitivamente; ao Tibé; e à "invasão" de Taiwan, agora a todo
vapor, com o Pentágono afirmando que ela provavelmente ocorrerá antes de
2027.
Não é "diálogo estratégico" coisa nenhuma.
Um drogado em uma viagem ruim
Wang Yi, em uma entrevista coletiva tratando do 13º Congresso Popular
Nacional e do anúncio do próximo Plano Quinquenal afirmou que "daremos o
exemplo de confiança mútua estratégica, ao nos apoiarmos mutuamente de
forma firme na defesa dos grandes interesses essenciais, na oposição à
"revoluções coloridas" e à desinformação, e na salvaguarda da soberania
nacional e da segurança política".
Essa posição contrasta nitidamente com a escola "altamente provável"
de pós-verdade e mentiras privilegiada por mascates do Russiagate e por
uma variedade de sinófobos.
O renomado acadêmico chinês Wang Jisi - que era próximo ao falecido
Ezra Vogel, autor da que pode ser considerada a melhor biografia de Deng
Xiao Ping em inglês - trouxe uma medida adicional de sanidade ao
relembrar a ênfase dada por Vogel à necessidade de os Estados Unidos e o
Leste Asiático compreenderem a cultura um do outro.
Segundo Wang Jisi, "na minha própria experiência, vejo como altamente
esclarecedora uma diferença entre os dois países. Nós, na China,
gostamos da ideia de encontrar terreno comum e, ao mesmo tempo,
mantermos nossas diferenças". Afirmamos que os interesses em comum entre
nossos dois países superam em muito nossas diferenças. Definimos
terreno em comum com base em um conjunto de princípios como respeito
mútuo e cooperação. Os americanos, ao contrário, tendem a focar questões
difíceis, como Taiwan e o Mar do Sul da China. Parece que os chineses
querem estabelecer princípios antes de tentar resolver problemas
específicos, mas os americanos estão sempre ansiosos para tratar dos
problemas antes de estarem prontos a melhorar a relação".
O problema real é que o Hegêmona parece ser congenitamente incapaz de
tentar entender O Outro. Ele sempre retoma a notória formulação de
Zbigniew Brzezinski, com a arrogância imperial que lhe era
característica, em seu magnum opus de 1997, O Grande Tabuleiro de Xadrez.
"Para usar uma terminologia que remete à idade mais brutal dos
impérios da Antiguidade, os três grandes imperativos da geoestratégia
imperial são evitar o conluio entre os vassalos e mantê-los dependentes
em termos de segurança, manter os tributários dóceis e protegidos e
evitar que os bárbaros se unam".
O Dr. Zbig se referia, é claro, à Eurásia. A "dependência em termos
de segurança" entre os vassalos se referia principalmente à Alemanha e
ao Japão, centros de importância-chave nas Terras Costeiras. Os
"tributários dóceis e protegidos" se aplicava acima de tudo ao Oriente
Médio.
E, o que é o mais importante, "evitar que os bárbaros se unam" se aplicava à Rússia, China e Irã.
Essa, resumidamente, era a Pax Americana. E é isso que agora está se desfazendo.
Daí a lógica Kill Bill. Ela tem uma longa história. Menos de dois meses antes do colapso da URSS, as Diretrizes de Planejamento de Defesa
de 1997 pregavam o domínio global total e, seguindo o Dr. Zbig, o
imperativo absoluto de evitar o surgimento de qualquer futuro
concorrente de igual nível.
Em especial a Rússia, definida como "a única potência do mundo com capacidade para destruir os Estados Unidos".
Então, em 2002, no começo da era do "eixo do mal", veio o Domínio de Espectro Total
como a pedra de toque da Estratégia de Segurança Nacional. Domínio,
domínio por toda a parte: terrestre, aéreo, marítimo, subterrâneo,
cósmico, psicológico, biológico, cibertecno.
E, não por acidente, a Estratégia Indo-Pacífico - que orienta o Quad - centra-se em "como manter a primazia estratégica dos Estados Unidos".
Essa mentalidade é o que permite que a Think-tanklândia americana formule "análises" ridículas, onde a única possibilidade de "ganho" para os Estados Unidos exige imperativamente o fracasso do "regime" chinês.
Afinal, o Leviatã é congenitamente incapaz de aceitar "ganhos para
todos". Ele só funciona com base no "soma-zero" baseado no Dividir e
Dominar.
E é isso que vem levando a parceria estratégica a progressivamente
estabelecer um ambiente de segurança amplo e abrangente, cobrindo tudo
desde armamentos high-tech a setores bancários e financeiros,
fornecimento de energia e fluxo de informação.
Para evocar uma outra pérola da cultura pop, o Leviatã atarantado agora se parece a Caroline, a drogada retratada no disco Berlin, de Lou Reed: But
she's not afraid to die / All of her friends call her Alaska / When she
takes speed / They laugh and ask her / What is in your mind / What is
in your mind / She put her fist through the window pane / It was such a /
funny feeling / It’s so cold / in Alaska (Mas ela não tem medo
de morrer / Todos os seus amigos chamam ela de Alasca / Quando ela toma
speed / Eles riem e perguntam a ela / O que você tem na cabeça / O que
você tem na cabeça / Ela enfiou o punho pela vidraça / Foi uma sensação
esquisita / É tão frio / no Alasca.
O título desta entrevista é chocante? Desmantelar os EUA? Mas como é a
questão da preparação permanente para a guerra com armas cada vez mais
destruidoras, a manutenção de uma rede de espiões e agentes e de bases em todo o mundo? A realidade é que a atividade colonialista e neo
colonialista é parte essencial do capitalismo cujo centro é o império.
Em 26 de fevereiro entrevistei Ajamu Baraka para meu podcast. Baraka é
um organizador de base veterano cujas raízes estão no Movimento de
Libertação Negra e nas lutas de solidariedade contra o apartheid e na
América Central. Ele é um líder internacionalmente reconhecido do
movimento emergente de direitos humanos nos EUA e tem estado na
vanguarda dos esforços para aplicar a estrutura internacional de
direitos humanos à defesa da justiça social nos EUA por mais de 25 anos.
Ele é um Organizador Nacional da Aliança Negra pela Paz, cujas
atividades discutimos.
Baraka ensinou ciência política em várias universidades e foi
palestrante convidado em instituições acadêmicas nos Estados Unidos e no
exterior. Ele apareceu em uma ampla variedade de meios de comunicação,
incluindo CNN, BBC, Telemundo, ABC, RT, The Black Commentator, o
Washington Post e o New York Times. Atualmente é editor e colunista
colaborador do Black Agenda Report e redator da Counterpunch.
O que se segue são trechos de nossa conversa, editados para maior
clareza. Você pode ouvir a entrevista completa
aqui.
Kollibri terre Sonnenblume: [Em termos de política externa], parece
que esta última eleição foi apenas Trump ou não-Trump e, portanto, não
houve discussão sobre como um governo Biden poderia ser
diferente.
Ajamu Baraka: Realmente não havia. No contexto da imprensa burguesa,
durante os chamados debates, o número de minutos dedicados à política
externa era inferior a uma hora, no total. Mas, ainda assim, você vê
que, uma vez que o governo Biden assume o poder, algumas das primeiras
iniciativas em que eles se envolvem têm implicações de política externa.
Portanto, é realmente incrível que, devido ao peso da responsabilidade
que o executivo tem, tenha havido tão pouca conversa sobre política
externa ...
O resultado foi que basicamente Biden foi aprovado e não houve uma
discussão real na campanha e até mesmo entre a sociedade civil. Havia
uma suposição de que você apenas tinha que se livrar de Trump e tudo
ficaria bem. Seria um retorno ao normal. Ninguém falou sobre o que
parecia normal e se o que era chamado de normal realmente atendia aos
melhores interesses não apenas do povo dos Estados Unidos, mas do povo
do sul global, que se encontra constantemente na mira da agressividade
Políticas dos EUA.
Sonnenblume: Parece que um tema intocável hoje em dia, tanto na
política quanto na sociedade civil, é o orçamento militar dos Estados
Unidos, que, como sabemos, consome mais de 50% dos gastos
discricionários. É obsceno. É dez vezes mais que a Rússia. É mais do
que os próximos dez países combinados. Quando surge a conversa: “Como
pagamos o Medicare for All?” essa é a oportunidade perfeita para
dizer, "Vamos cortar esse orçamento militar", mas ele nunca mais
aparece ...
Baraka: Uma das razões pelas quais as pessoas não falam sobre isso é
porque, novamente, parece haver um consenso bipartidário de que os
militares conseguiriam não apenas o que desejam, mas ainda mais. Quando
Donald Trump assumiu o cargo, o primeiro orçamento que ele apresentou ao
Congresso incluía um aumento de US $ 54 bilhões nos gastos militares. É
muito interessante porque Donald Trump simplesmente não sabia como se
filtrar, então de vez em quando ele dizia algo que era brutalmente
honesto, então deixei claro que ele pensava que $ 54 bilhões eram na
verdade loucura. No início, até mesmo os democratas estavam levantando
questões sobre o aumento, até que alguns meses depois, acho que eles
receberam o memorando e, de repente, tudo ficou quieto. E não apenas
deram a Donald Trump um aumento de US $ 54 bilhões, mas também
aumentaram em quase outros US $ 30 bilhões naquele primeiro ano. Então,
esse tem sido um consenso bipartidário ...
O problema que temos, como povo, é tornar isso um problema. De fato,
exigir que nossos recursos sejam redistribuídos para atender às
necessidades objetivas de direitos humanos das pessoas. Porque quem está
se beneficiando com esses 750 bilhões, ou na verdade, mais de um trilhão
de dólares gastos em defesa? São os gatos gordos que ganham dinheiro.
Esses executivos do complexo militar industrial. Todo mundo está
ganhando dinheiro com isso, menos as pessoas. Quem está sofrendo é o
povo, então temos que exigir que eles reduzam os gastos, que fechem
essas mais de 800 bases militares pelo mundo, repassem esses recursos
para o povo. Voltar para fornecer habitação. Voltar a fornecer alguns
cuidados de saúde decentes. Limpando o meio ambiente. Criando uma
experiência educacional de primeira classe para nossos jovens.
Mas enquanto os interesses dos governantes prevalecerem, você terá esse
comportamento obsceno, esse orçamento obsceno ...
Estamos tentando conscientizar as pessoas de que temos esse sistema
de base [militar global], essa estrutura de comando, e estamos
fazendo uma pergunta muito simples: quais interesses estão sendo
executados com esse enorme dispêndio de fundos públicos?Para ter essas tropas, para ter essas bases que estão sendo
construídas em várias partes do mundo. Isso está ajudando sua
família a ter uma educação melhor? Isso está ajudando você a ter
alguns cuidados de saúde? Um centro de recreação em sua comunidade?
Você tem acesso a mais capital se quiser abrir um negócio? Onde está
a ênfase? E veja, essas questões - se os democratas estivessem
levantando esse tipo de questão, ou perseguindo políticas que
estivessem mais alinhadas com a classe trabalhadora e os elementos
mais baixos da classe média (o que chamamos de pequena burguesia) -
talvez as condições fossem não ter estado no lugar que teria
permitido Trump ganhar a presidência.
Essas questões básicas de cujos interesses estão sendo atendidos
por essas políticas são o tipo de questões que devem ser levantadas
na parte liberal da equação. Porque eles estão sendo criados entre a
direita radical e você vê
ocorrendo
uma radicalização que culminou em termos de comportamento no 6 de
janeiro.
Portanto, há uma desvantagem real por parte dos liberais porque
eles entregaram suas posições políticas à burguesia neoliberal e se
desarmaram política e ideologicamente. Como consequência, eles
cederam um espaço ideológico significativo à direita radical. Eles
estão jogando um jogo muito perigoso. Não apenas eles estão
perdendo, mas todos nós estamos perdendo em consequência.
***
Sonnenblume: Você fez uma referência ao neoliberalismo como uma
forma ou expressão do neofascismo. Ouvi você falar sobre isso
recentemente, acredito que foi na Rádio Black Agenda, e foi novo
para mim pensar dessa forma. [Veja Black Agenda Radio
25/1/21.]
Baraka: ... O que você vê é esta perigosa coalizão de forças, de
forças da classe dominante - Vale do Silício, o complexo industrial
militar, as empresas de mídia corporativa que controlam 90% das
notícias e entretenimento e elementos do estado: as agências de
inteligência - você veja a fundação ali. Já temos a ditadura do
capital. Se quisermos pensar no processo liberal burguês, ele
fornece uma casca para a ditadura do capital. A casca não está se
tornando quase um empecilho para a burguesia neoliberal. Então, eles
estão lentamente condicionando a população dos EUA a aceitar formas
fascistas
de governo . É por isso que eles ostentam a democracia. É por isso
que Biden pode falar sobre como ele quer centralizar a democracia e
os direitos humanos, mas depois virar e apoiar o fascismo no Haiti
ou elementos de direita que estão tentando tomar o poder na
Venezuela.
Portanto, não apenas falo sobre o neofascismo como tendo um caráter
neoliberal, é importante entender que dentro do contexto do sistema
global, por muitos anos, esse fascismo que temos nos EUA está
disfarçado. Porque você pode ter formas de democracia, de prática
democrática, no centro, enquanto as economias e sociedades
conectadas às quais o império estava conectado, são basicamente
fascismo.
Quando olhamos para essas relações do ponto de vista dos oprimidos,
dos colonizados, dizemos: “Alguém nos explique como não tivemos
fascismo”.
Então, para mim, espero que as pessoas sejam alertadas sobre esse
fascismo amigável que está sendo desenvolvido porque, de muitas
maneiras, é mais insidioso porque não está sendo reconhecido. Então,
por quatro anos, eles nos fixaram na encenação de Donald Trump com
seu comportamento incoerente e palhaço, enquanto sistematicamente
restringiam o estado de segurança nacional, o condicionamento da
população a aceitar um tipo de ambiente
Orwelliano-Big-Brother-doublepeak-newspeak . É muito preocupante o
que está acontecendo agora porque elementos que você acha que
estariam na moda, e em oposição, eles têm ajudado a concordar com
isso. Ainda ontem, o Nation saltou sobre toda essa coisa do Facebook
e chamou Mark Zuckerberg de um perigo para a democracia. Porque?
Porque eles querem ter ainda mais censura. Para mim, é meio
louco.
Sonnenblume: Você já fez uma observação sobre esse tópico
específico da mídia social antes, onde falou sobre como nosso
espaço público foi privatizado.
Baraka: Exatamente. Foi privatizado. Foi colonizado. E, como
consequência, está se tornando cada vez mais difícil para
informações alternativas serem disseminadas. Veja, eles querem fazer
isso há algum tempo. Desde então, eles viram as possibilidades e os
perigos da internet e das redes sociais. Você deve se lembrar de
que, a certa altura, eles estavam atacando o que as pessoas chamavam
de “jornalistas cidadãos”. Que eles não eram autoritários. Que eles
estavam apenas inventando coisas, blá, blá, blá. Sempre foi uma
preocupação que informações não aprovadas pelas autoridades fossem
disseminadas e fossem a fonte de uma verdadeira oposição política
neste país e em todo o Ocidente. Mas eles nunca tiveram coragem de
se envolver em censura aberta. Mas com o Russiagate, eles tiveram a
oportunidade de começar a lançar a base ideológica e o fizeram e o
fizeram com força total. Então agora, quatro anos depois, você pode
ter a Nação pedindo censura e ninguém piscar.
***
Sonnenblume: Neste contexto da descolonização, nós precisamos
desmantelar os Estados Unidos?
Baraka: Bem, a resposta curta é sim.
Porque os Estados Unidos são um projeto colonial, um estado
colonial. Teve uma continuidade desde 1791, uma vez que o novo
processo constitucional foi finalizado, e esse processo resultou
basicamente na consolidação do poder dos colonos que estavam nas
terras desde 1619. Mesmo com a Guerra Civil, houve continuidade,
porque a O estado nacional dos EUA venceu o conflito com a
Confederação. O próprio fato de que a base material dos EUA foi a
conquista desta terra e, em seguida, o confinamento dos povos
nativos em campos de concentração a que nos referimos como
"reservas", fornece não apenas uma crítica moral, mas fornece uma
base moral de como um apenas a resolução tem que olhar.
Ou seja, não podemos ficar apenas dizendo “me desculpe” e pronto,
ou mesmo reparações seja o que for, mas na verdade tem que ser um
desmantelamento desse poder, um desmantelamento do Estado
de assentamentos-colonial .
E esse processo de desmantelamento do estado colonial colonizador e
do sistema colonial requer uma descolonização da própria
consciência. Essas coisas andam de mãos dadas. Esse processo de
descolonizar a consciência de uma pessoa é um processo no qual você
erradica os fundamentos ideológicos da supremacia branca. Nesta
sociedade - nesta sociedade de supremacia branca e colonização -
todos os que nasceram - não importa sua etnia, nacionalidade ou raça
ou o que quer que seja - você está sujeito a ela e se torna, em
essência, um supremacista branco. É parte integrante do DNA da
experiência dos Estados Unidos. Você aprende a supremacia branca
desde os primeiros momentos ... É tão difundido que nem mesmo é
reconhecido. Torna-se simplesmente senso comum.
Então você tem que passar por um processo de purificação. De não
ver a Europa como o ápice do desenvolvimento civilizacional, de
entender que existem outras pessoas neste planeta que têm
civilizações, que devem ser reconhecidas e respeitadas, que têm
tanto valor quanto a vida dos europeus. Você tem que se livrar do
eurocentrismo porque ele é tão difundido que você nem consegue ver.
Portanto, o processo de descolonização estruturalmente requer um
processo simultâneo - talvez até um processo anterior - de
descolonizar a consciência, descolonizar o conhecimento,
descolonizar a própria base do ser.
Esse é o processo simultâneo em que precisamos nos engajar, neste
país e em todo o mundo ocidental, porque a própria noção de
modernidade, do que é desenvolvimento humano, tem que ser repensada.
Parte desse repensar faz parte do processo de descolonização.
Descentrando a Europa. Descentrando todo o processo de
modernidade.
***
Sonnenblume: Isso me faz pensar: até que ponto o moderno estado
tecnológico e industrial depende da supremacia branca? Porque a
riqueza que faz isso acontecer vem dessas estruturas. Olhamos para
nossos telefones e nossas outras tecnologias e é um processo
colonial e da supremacia branca que extrai esses materiais.
Sabemos do trabalho escravo infantil que está acontecendo na
África. É mesmo possível ter uma vida moderna sem ele? Podemos
fazer um telefone celular sem colonialismo, acho que estou
perguntando?
Baraka: Essa é uma questão muito importante e profunda. As relações
do colonialismo são tais que, quando se separam, tem que haver uma
mudança no que consumimos, como consumimos, como nos relacionamos
com a natureza. Isso faz parte do processo. Agora não podemos voltar
no tempo. Temos esses processos industriais, mas agora esses
processos industriais e as tecnologias em desenvolvimento são tais
que são quase instrumentos contra a humanidade coletiva.
Portanto, parte do processo de descolonização é tomar posse dessas
inovações tecnológicas e processos industriais e reorganizá-los de
uma forma que faça mais sentido, que ajude a elevar a vida e a
protegê-la. E isso significa muitas mudanças profundas. Por exemplo,
o que isso pode significar para essas megacidades que temos? Podemos
continuar a pagar essas megacidades? Quando tomarmos posse da base
industrial, talvez consigamos reorganizar a agricultura de uma forma
diferente que permita às pessoas sair dessas cidades e voltar para o
campo e se dedicar à pequena lavoura, para o mercado local e
nacional.
Toda a lógica e os fundamentos da sociedade capitalista devem ser
vistos de uma nova maneira. Existem vários movimentos que estão de
fato fazendo isso. Isso nos leva a um argumento de que temos que
reorganizar completamente todos os aspectos da sociedade se
quisermos sobreviver, porque uma das contradições e consequências
óbvias dos processos industriais que temos é que estamos basicamente
destruindo a capacidade de seres humanos para se sustentarem neste
planeta. A Mãe Terra vai sobreviver. Ela pode ser alterada de várias
maneiras, mas somos nós que vamos destruir nossa capacidade de viver
neste planeta.
Assim até que possamos tomar o poder dessa minoria da população
humana que está investida nos processos de produção e nas relações
sociais que obrigam todos a trabalhar para eles, que colocam lucro
no planeta e nas pessoas, então esse tipo de produção irracional
continuará, em nosso detrimento. Portanto, temos interesse em um
processo revolucionário global.
A principal contradição que Marx identificou foi entre os
capitalistas e os trabalhadores. E isso é uma contradição contínua,
mas neste estágio de monopólio do capital global e da
irracionalidade desses processos, a maior contradição hoje, na minha
opinião, é entre o capitalismo - a classe capitalista - e a
humanidade coletiva. Temos que tirar o poder desses maníacos se
quisermos sobreviver. Portanto, há uma necessidade material e
objetiva de reconhecermos que temos interesse em retomar o poder da
classe capitalista se quisermos sobreviver por nós e por nossos
filhos.
Esses são os tipos de coisas que devemos observar. Quando assumimos
o poder, que tipo de sociedades construímos? Essa é a outra parte da
conversa, porque você tem algumas pessoas que irão argumentar que há
alguns modelos sendo desenvolvidos que representam como uma
sociedade pós-capitalista poderia ser. Bem, talvez. Mas há algumas
coisas em alguns desses modelos que alguns de nós não querem seguir.
Portanto, o que seria criado ainda está para ser visto.
Mas temos que encontrar um novo tipo de estrutura ética, uma
estrutura que seja baseada na cooperação, baseada na igualdade,
baseada na racionalidade e na decência. Acho que coletivamente
seremos capazes de descobrir como reorganizar a sociedade de forma a
garantir que possamos sobreviver e viver como seres humanos decentes
em um novo tipo de mundo. Acho que podemos fazer isso.
Ouça a entrevista completa aqui.
Kollibri terre Sonnenblume é um escritor que vive na costa oeste
dos Estados Unidos. Mais textos e fotos de Kollibri podem ser
encontrados na Macska Moksha Press.