Entre 1965 e 1966 houve um massacre de cerca de um milhão de militantes e simpatizantes comunistas na Indonésia. A ditadura argentina assassinou 30.000 pessoas entre 1976 e 1983.
Guerras americanas, alguns anos após o fim da Segunda Guerra: Coreia, Vietnam, Afeganistão, Iraque, Líbia, Oeste da Ásia (junto com Israel) mataram milhões de pessoas a maior parte civis, com destaque para mulheres e crianças.
De onde tem vindo as ordens, inclusive para assegurar o massacre da população palestina em 2025?
Em 1974, em meio a vitória da
oposição, comunistas elegem 22 deputados federais e centenas de
estaduais. Militares reagem com truculência. Um ano depois, 12 membros
do partido são assassinados, centenas presos e muitos exilam-se. Até
hoje não houve justiça e reparação.
Publicado 22/05/2025 às 17:08
- Atualizado 22/05/2025 às 17:09
Foto: AEL/Unicamp
A história do golpe burgo-militar1
de 1964 é fartamente comprovada por, entre outros, três objetivos
básicos: atacar os interesses da classe trabalhadora, destruir a
crescente organização popular e destruir o principal operador político2
dos comunistas brasileiros, o PCB, que era a força hegemônica na
esquerda daquela quadra histórica. Embora as marchas e contramarchas que
constituíram as balizas do cenário ampliado do golpe desvelassem um
conjunto importante de problemas na análise da realidade concreta por
parte dos comunistas brasileiros, a reação inicial do partido foi
organizada para operar na perspectiva de aglutinação de forças
democráticas e nacional que, em princípio, estariam insatisfeitas com a
ruptura na legalidade da democracia formal e a ordem institucional em
vigor.
Os comunistas até esboçaram um movimento interno para construir uma
reação armada ao golpe, todavia essa tímida iniciativa esbarrou na
incapacidade de previsibilidade do cenário do golpe e na queda de
setores das Forças Armadas onde seriam razoáveis essa possibilidade de
reação, a exemplo dos postos sob a direção dos Comandantes Teixeira e
Aragão.
Encerrada qualquer possibilidade dessa reação armada, e mesmo com um
período em que a direção afundou na clandestinidade, o retorno ao
contra-ataque organizado pelo Comitê Central do PCB foi majoritariamente
centrado na articulação política de uma Frente Democrática e Nacional
que aglutinasse um conjunto expressivo de setores da burguesia
legalista, militares de alta patente que seriam contra a quebra na
estrutura da hierarquia militar, forças proletárias e populares,
camponeses, parlamentares contrários ao golpe, militares de baixa
patente rebelados em revoltas recentes e a forte juventude estudantil.
O arcabouço dessa Frente política de contenção do golpe foi,
paulatinamente, sendo esvaziada pela crescente ação de coerção dos
golpistas estabelecidos no poder. Prisões, violência política,
assassinatos já no primeiro momento do golpe armado, cassações e atos
discricionários compuseram o arcabouço que fortaleceu os golpistas,
além, evidentemente, das manifestações de apoio na sociedade, imprensa e
de figuras proeminentes do exercício da política.
A tática do PCB foi apartando-se da estratégia e o debate no ambiente
interno procurava centrar-se nas causas do golpe. Esse roteiro político
foi super aquecido em virtude da convocação do VI Congresso do partido.
A ruptura orgânica foi inevitável e o partido foi fracionado por
diversos grupos que saíram do PCB para construir organizações que iriam
para o confronto armado contra a ditadura instaurado no país. É
importante registrar que no debate interno, daqueles que ficaram no PCB,
chegou-se a analisar a possibilidade de enfrentamento armado com o
regime militar, mas essa posição não foi em frente.
O PCB procurou operar sua tática política no sentido da construção da
Frente Democrática, apesar dos espaços fechados, das prisões e dos
assassinatos de militantes que ocorreram já no mês de abril de 1964
(Ivan Rocha Aguiar e Antogildo Pascoal Viana), o elemento central da
organização da política dos comunistas brasileiros era a resistência
democrática. Essa chave para ação começou a gerar avanços políticos no
início dos anos 1970, quando a luta armada desenvolvida pelas
organizações da guerrilha urbana e algumas da guerrilha rural foram
paulatinamente derrotadas.
A partir das eleições de 1972 e 1974, quando a oposição nesta última
eleição obteve uma grande vitória, as forças do aparato policial-militar
da ditadura passaram a se movimentar tendo como eixo central o PCB como
o inimigo número 1 (Coronel Paulo Manhães). Com a finalidade de
destroçar o PCB, foi organizada a “Operação Radar”, em 1973, que
funcionou até 1976 e que tinha variadas denominações em outros estados
da federação, a exemplo de “Barriga Verde” em Santa Catarina e
“Cajueiro”, em Sergipe.
A política de cerco e aniquilação levada à frente pelos órgãos da
repressão policial-militar que agiam de forma letal através dos agentes
que compunham os “Porões” da ditadura, ordenados pelo aparato
político-militar do regime, com total autorização inicialmente do
general Médici e, posteriormente, de forma mais brutal ainda, com a
anuência e consentimento do general Geisel, teve um papel
comprovadamente assassino no sentido de eliminar os quadros referenciais
do PCB, principalmente em 1975.
A lógica do cerco e aniquilação contra o PCB teve seu momento mais
violento durante o ano de 1975. Foram centenas de prisões, centenas de
processos, muitos comunistas fugiram para o exílio como forma de
proteger suas vidas. No entanto, o terror do Estado policial atingiu de
forma covarde e assassina 12 membros do partido. Heroicos militantes das
mais diversas lutas do povo brasileiro.
No auge desse terror, a “Operação Radar”, em 1975, ou seja, há 50
anos, matou seis membros do Comitê Central do partido, outros militantes
de importância seminal para a ação do PCB e o encarregado do trabalho
entre a juventude. Isso era o contragolpe da ditadura diante da vitória
política do partido nas eleições de 1974, quando o PCB elegeu 22
deputados federais e dezenas de deputados estaduais e a oposição teve
uma vitória que poderia ser determinante para a mudança no quadro
institucional. Nesse cenário político, o governo da ditadura ameaçou
suspender as eleições municipais de 1976, porém a repercussão política e
social impediu mais esse golpe.
Na lógica do cerco e aniquilação contra o PCB, que marcou o trágico
ano de 1975, foram assassinados, no dia 15 de janeiro, o caminhoneiro
Elson Costa e o administrador público, Hiran de Lima Pereira, ambos
membros do Comitê Central. No dia 4 de fevereiro, foi morto o advogado e
jornalista Jayme Miranda, membro destacado do CC do partido. Em abril
foi preso e assassinado o líder camponês, Nestor Vera, também membro do
Comitê Central. Em 25 de maio, foi preso e assassinado o operário e
líder dos trabalhadores da construção civil, Itair José Veloso,
integrante do Comitê Central. No dia 7 de agosto, foi assassinado o
militante e operário gráfico, Alberto Aleixo. No dia 8 de agosto, foi
assassinado, sob forte tortura, o militante e Tenente da PM/SP, José
Ferreira de Almeida. Ainda no mês de agosto, no dia 18, foi morto sob
tortura o militante e Coronel da PM/SP, Maximino de Andrade Netto. Em 17
de setembro, foi assassinado o militante e comerciário, Pedro Jerônimo
de Souza. A matança continuou no mês de setembro, quando no dia 29 foi
morto o líder estudantil, José Montenegro de Lima. Em 8 de outubro foi
assassinado o jornalista e advogado Orlando Bonfim Júnior, ex-vereador
de Belo Horizonte e membro do Comitê Central. Fechando o massacre de
1975, no dia 25 de outubro, o militante e jornalista Vladimir Herzog foi
assassinado.
O Partido Comunista Brasileiro (PCB) teve um conjunto de 43 membros
assassinados, do dia 1º de abril de 1964 até o dia 24 de setembro de
1979. Só no ano de 1975 foram 12 dirigentes e militantes. O PCB sofreu
dezenas de processos, teve milhares de militantes entre processados,
presos, torturados, exilados e mortos. Mesmo usando a tática política da
luta através da resistência democrática, do trabalho entre as massas e
da articulação de forças democráticas e nacionais para derrotar a
ditadura, o partido foi considerado o inimigo número 1 do Estado
policial e terrorista que se estabeleceu em 1964 e permaneceu até 1985.
Nessa efeméride dos 50 anos, quando em 1975 a ditadura operou uma
covarde ação de cerco e aniquilação contra o PCB, se faz necessário que a
recente recriada Comissão da Anistia institua um processo pela memória,
justiça e reparação ao PCB. A estrutura histórica do partido, para além
do martírio de sua militância e direção, sofreu um ataque sem trégua
que colocou em risco a sua existência e o que representa o partido
enquanto patrimônio histórico, político e cultural na vida social e na
história política brasileira.
A tática política do PCB contribuiu de forma expressiva para derrotar
o arbítrio e colocar fim ao regime burgo-militar em 1985. A partir
desse ano o partido voltou a legalidade jurídica e política, mesmo com
os tradicionais impedimentos que a lógica da política burguesa opera
contra os comunistas na longeva história brasileira, afinal são 103 anos
da mais odiosa perseguição.
Essa ação por Memória, Justiça e Reparação deve ser levada aos órgãos
competentes do governo federal em caráter de urgência, afinal a memória
e a história brasileiras precisam ser preservadas e o PCB deve ter
justiça e reparação.
Notas:
1
O golpe de Estado de 1964 caracteriza-se pela ação articulada de
diversas frações da burguesia interna, organizadas por suas
representações em entidades como a FIESP e congêneres, com a ativa
participação também de entidades representativas dos latifundiários.
Essa classe social (burguesia) detinha o controle de blocos de
parlamentares para se fazer representar no parlamento e nos partidos da
ordem a partir do perfil das diferenciadas frações burguesas. Essas
forças da ordem consolidaram no pré 1964 importante ação
político-ideológica que foi desenvolvida por aparatos ideológicos, a
exemplo do IPES, IBAD, ESG, segmentos reacionários da Igreja Católica e
mídia corporativa, em consonância com a liderança dos militares na
logística da intervenção. O pacto burguês, com total apoio do
imperialismo estadunidense, foi operado e dirigido pelos militares
enquanto burocracia de Estado, agindo acima das classes como instituição
de forma bonapartista para preservar os interesses burgueses. Esses
militares se orientavam pela ideologia da segurança nacional, cuja
centralidade era o extermínio do inimigo interno e a subordinação ao
imperialismo. Essa burocracia de Estado (militares), intervindo de forma
bonapartista enquanto instituição, autonomizou-se politicamente durante
o processo golpista para comandar e gerenciar (a partir de um perfil
tecnocrata) o Estado capitalista em seus diversos governos de 1964 até
1985. Construindo, a partir daí, uma forte intervenção na dinâmica
social para controlar e tutelar as relações sociais e políticas.
Portanto, esse processo político de ruptura institucional e os governos
de exceção que duraram 21 anos se configuraram como um golpe e uma
ditadura burgo-militar (PINHEIRO, 2024).
2
Categoria explicativa que utilizo em minhas pesquisas, a partir de
2009, para entender e qualificar o sujeito coletivo revolucionário,
dotado de projeto universal, que age a partir da representação política
da classe trabalhadora para operar, enquanto agente estratégico, o
processo revolucionário de conquista do poder.
O que se
esconde por trás da aparente estabilidade política no Brasil? Este
artigo revela os mecanismos invisíveis da guerra híbrida em curso e
apresenta quatro cenários possíveis até 2030 — entre o cerco neoliberal,
a retomada autoritária da extrema-direita e a difícil construção de um
projeto soberano.
O jogo ainda não virou.
Você acha que venceu. A
extrema-direita está acuada, os golpistas sendo julgados, o bolsonarismo
aparentemente em retração. Isso é só o que se apresenta na superfície.
Por trás do noticiário e dos ciclos curtos de escândalo e euforia, uma
nova fase da guerra híbrida já está em curso. E ela é mais sofisticada,
profunda e muito mais perigosa. O Brasil é um dos territórios mais
estratégicos do planeta. Não apenas por seu tamanho, seus recursos
naturais ou seu mercado interno robusto. Mas porque se tornou, ao longo
das últimas duas décadas, um dos principais laboratórios de guerra
informacional, manipulação psicossocial e engenharia de desestabilização
do Sul Global.
Desde
2005, quando o Brasil se recusou a integrar a ALCA e passou a defender
um projeto de soberania regional, tornou-se alvo constante de
estratégias de enfraquecimento. As armas não foram tanques, e sim
escândalos fabricados, operações jurídicas enviesadas, campanhas
midiáticas coordenadas, infiltração de think tanks estrangeiros,
manipulação religiosa e a ocupação dos algoritmos e redes sociais por
milícias digitais orientadas por inteligência artificial. Em 2025, o
cerco se reorganiza. A China estreita laços com o Brasil, os BRICS se
expandem, a disputa pela Amazônia se intensifica, e a soberania sobre os
dados, os territórios e os cérebros entra na linha de fogo. A guerra
híbrida já não é uma exceção. Ela se tornou um dos modos permanentes de
operação da política global. E o Brasil ocupa o centro desse processo.
Este texto pretende oferecer uma leitura crítica do cenário atual e
apontar alguns caminhos possíveis sobre o que pode se desenrolar nos
próximos anos. Não pretende esgotar o debate, nem fornecer respostas
definitivas, mas contribuir com elementos que ajudem a compreender o que
está em jogo.
Diagnóstico do presente – O Brasil como campo avançado da guerra híbrida (2022–2025).
Desde
a eleição de Lula em 2022, o Brasil não vive um tempo de estabilidade
política, e sim de reconfiguração da instabilidade. A derrota eleitoral
do bolsonarismo não significou o fim da guerra híbrida, mas o início de
sua nova etapa. O que se observa entre 2022 e 2025 é uma tentativa de
aprisionar o governo em um cerco institucional, econômico, midiático e
cognitivo, mantendo o país dentro de uma lógica de paralisia controlada -
pensemos no orçamento deste ano, que deveria ter sido aprovado em
dezembro de 2024. Muitas forças atuam contra qualquer tipo de
progressividade no país. Dentre elas, por exemplo, o bolsonarismo, longe
de ser neutralizado, foi reorganizado. As estruturas de desinformação,
os circuitos de ódio e os canais de sabotagem seguem com força,
alimentados por um ecossistema robusto de agentes nacionais e
internacionais. O resultado disso é um governo acuado, negociando à
margem de sua base social, enfrentando chantagens parlamentares
constantes, sabotagens jurídicas e uma cobertura midiática agressiva,
muitas vezes enviesada e instrumentalizada por interesses estrangeiros.
A
guerra híbrida no Brasil opera em múltiplas frentes simultâneas. No
campo econômico, a pressão por políticas de austeridade e a
criminalização do gasto público impedem a retomada plena do projeto
desenvolvimentista e colocam o governo em confronto com sua base
histórica. No campo institucional, investigações seletivas e operações
policiais espetaculosas minam a capacidade de planejamento do Estado e
jogam luz sobre supostas “crises” que deslegitimam qualquer avanço
estratégico. No campo simbólico e afetivo, a guerra cultural segue sendo
alimentada por grupos religiosos, plataformas digitais e canais de
desinformação que mantêm viva a retórica do anticomunismo, do
antipetismo e do medo moral.
Nesse
período, assistimos a uma intensificação das operações de lawfare, com
investigações contra figuras do atual governo sendo tratadas como
escândalos midiáticos, antes mesmo de qualquer conclusão jurídica muitas
vezes sem indícios concretos de crime. Essas práticas apontam para o
uso simbólico e midiático do aparato judicial como mecanismo de pressão
política, e o uso político de operações da Polícia Federal demonstram
que o aparelho de justiça continua sendo manipulado como arma de guerra
psicológica. Além disso, há uma crescente tentativa de capturar o debate
sobre regulação da internet. Enquanto setores progressistas defendem a
soberania informacional, a extrema-direita acusa qualquer tentativa
regulatória de ser uma ameaça à “liberdade de expressão”. O resultado é a
paralisia institucional diante do avanço de plataformas privadas,
majoritariamente norte-americanas, que controlam algoritmicamente o
fluxo de informação e ampliam a assimetria cognitiva entre os grupos
sociais.
A disputa geopolítica também não deixou o Brasil de
fora. A aproximação com a China, os BRICS e o Sul Global incomoda o eixo
atlanticista e acirra a tensão interna. Toda vez que o Brasil sinaliza
compromissos com a multipolaridade ou com modelos de desenvolvimento
soberanos, crises institucionais e narrativas de instabilidade se
intensificam. O caso recente da CPI do INSS, alimentado por uma
tempestade de desinformação promovida pela extrema-direita, e as reações
desproporcionais à fala de Janja sobre regulação diante de empresários
chineses são exemplos claros de guerra híbrida. Ambos ilustram como
qualquer gesto fora da cartilha ocidental ou progressista é
imediatamente manipulado e transformado em “crise nacional”. O Brasil
entre 2022 e 2025 não é um país em reconciliação, mas um campo tático
onde forças antagônicas disputam cada centímetro de poder. A guerra
híbrida segue em curso, com novas ferramentas, novos operadores e novos
alvos. Entender isso é fundamental para traçar os cenários possíveis dos
próximos anos.
O papel geopolítico do Brasil na guerra híbrida global (2025–2030).
A
guerra híbrida que atinge o Brasil não é um fenômeno isolado, nem
resultado exclusivo de disputas internas. Trata-se de um processo
enraizado na nova arquitetura do poder global, onde o controle dos
fluxos informacionais, dos sistemas cognitivos e dos territórios
estratégicos se tornou mais relevante do que o domínio militar clássico.
O Brasil ocupa uma posição central nesse tabuleiro, não apenas como
potência regional, mas como ator-chave na disputa entre modelos de mundo
antagônicos: a multipolaridade soberana e o neoliberalismo
informacional sob tutela do eixo EUA-OTAN-Big Techs. A posição do país
como membro do BRICS, sua relação crescente com a China, o potencial
energético da Petrobras, a Amazônia como território geopolítico
sensível, a liderança regional na América do Sul e seu histórico de
políticas externas autônomas fazem do Brasil uma peça de alto valor
estratégico. E justamente por isso, é um alvo. Toda tentativa de romper
com a dependência estrutural aos interesses do Norte Global é tratada
como ameaça.
A
disputa entre China e Estados Unidos, que define boa parte da dinâmica
internacional atual, passa diretamente pelo Brasil. A China é hoje o
principal parceiro comercial brasileiro, tem ampliado investimentos em
infraestrutura, energia e tecnologia, e busca alianças sólidas no Sul
Global. Já os Estados Unidos, enfraquecidos internamente por crises
políticas e externamente por sua perda de hegemonia absoluta, recorrem
cada vez mais a estratégias indiretas de contenção: financiamento de
ONGs e think tanks, lobby diplomático, desinformação, lawfare, sabotagem
reputacional e pressão econômica.
Essa guerra não é travada com
tanques, mas com narrativas, algoritmos, normatizações jurídicas e
controle da infraestrutura digital. O campo de batalha passa pelas redes
sociais, pelas decisões do STF, pelos fóruns internacionais de
regulação de dados, pelas câmaras legislativas e pelos meios de
comunicação. Cada movimento de aproximação com países fora da órbita
atlanticista, cada tentativa de regular plataformas digitais, cada fala
que sugira autonomia tecnológica ou integração sul-sul, aciona
mecanismos quase automáticos de desestabilização.
A nova corrida
por recursos não se limita ao petróleo, à água ou ao lítio. O “novo
ouro” global apresenta facetas como os dados, as emoções, os padrões
comportamentais e os sistemas de crenças das populações. O Brasil, com
mais de 200 milhões de habitantes, é um celeiro informacional valioso.
Ter controle sobre o comportamento digital da população e sobre os
fluxos de informação política e econômica é uma vantagem estratégica que
não passa despercebida pelos grandes centros de poder global. Entre
2025 e 2030, esse cenário tende a se intensificar. A transição
energética, a regulação da inteligência artificial, os acordos de
proteção ambiental, o avanço dos BRICS e o risco de uma nova arquitetura
financeira global aumentam a pressão sobre países que tentam redesenhar
sua soberania. O Brasil é um desses países. E por isso está na mira.
Cenários para o Brasil entre 2025 e 2030: entre o cerco e a reconstrução da soberania.
O
Brasil entrou em 2025 cercado por pressões de todos os lados.
Internamente, enfrenta uma oposição articulada, agressiva e bem
financiada. Externamente, sofre tentativas de contenção cada vez mais
explícitas de sua autonomia no campo econômico, tecnológico, ambiental e
informacional. No entanto, as contradições desse processo também abrem
brechas. O avanço do mundo multipolar, a crise do modelo neoliberal e a
reorganização de alianças internacionais colocam o Brasil diante de
quatro grandes cenários possíveis. Nenhum deles é puro. Mas todos são
plausíveis.
Cenário 1: Cerco estabilizado e governo em neutralização gradual.
Neste
cenário, o governo consegue evitar rupturas abruptas, mas à custa de
uma série de concessões estruturais. A governabilidade se dá sob
chantagem permanente. As políticas de austeridade avançam, a agenda
neoliberal é mantida como eixo macroeconômico, e reformas estruturantes
são neutralizadas. A extrema-direita mantém seus territórios digitais e
religiosos, o lawfare segue operando em baixa intensidade, e os
escândalos fabricados mantêm o governo sob constante desgaste. A
soberania informacional não avança. A regulação das plataformas é
paralisada por lobby e pressões internacionais. O Brasil permanece como
colônia de dados, com sua infraestrutura digital operando sob controle
estrangeiro. Este é o cenário da estabilidade ilusória, onde o país não
afunda em crise explícita, mas é progressivamente amarrado em todos os
flancos.
Cenário 2: Conflito híbrido total e radicalização da desestabilização.
Aqui,
o cenário se agrava. O governo busca caminhos de soberania mais claros:
alianças com os BRICS, regulação das plataformas digitais,
investimentos em reindustrialização, fortalecimento da integração
latino-americana e medidas redistributivas. Isso ativa, quase
imediatamente, a máquina de sabotagem: intensificação de operações de
lawfare, escândalos orquestrados, ataques midiáticos, mobilização
religiosa de massas, ações coordenadas da oposição no Congresso e nas
redes. Nesse ambiente, os EUA e seus aliados ampliam a pressão direta.
Acordos internacionais são revistos, medidas de contenção diplomática
são aplicadas, e o Brasil passa a ser retratado como “ameaça à
estabilidade da região” ou “riscos à liberdade de expressão”, como já
vem sendo testado em episódios como a regulação da internet e as reações
à presença chinesa no país. A instabilidade se torna o novo normal.
Cresce o risco de novos episódios de ruptura institucional ou violência
política coordenada. Este é o cenário do ataque híbrido permanente.
Cenário 3: Reconstrução soberana e reorganização do campo progressista.
Neste
cenário, apesar das pressões, o Brasil consegue encontrar um ponto de
inflexão. O governo articula um novo pacto popular em torno de uma
agenda de reconstrução nacional: desenvolvimento com soberania, defesa
da Amazônia sob controle nacional, regulação democrática das
plataformas, reindustrialização verde e aprofundamento das relações com o
Sul Global. A integração regional avança, o BRICS ganha nova
relevância, e o Brasil assume papel de vanguarda na luta por uma
governança digital própria. O campo progressista se reorganiza, amplia
sua base social e consegue disputar a narrativa pública com mais força. A
guerra híbrida não desaparece, mas o país passa a ter instrumentos
estratégicos de defesa e contra-ataque. Este é o cenário mais difícil de
construir, mas também o mais necessário.
Cenário 4: Avanço da extrema-direita e normalização do autoritarismo.
Este
é o cenário de regressão. A máquina de desestabilização cumpre seus
objetivos, seja por implosão interna, seja por sabotagem externa. A
extrema-direita retoma espaço institucional em 2026, com apoio das
elites econômicas, das igrejas e das plataformas digitais. A mídia
normaliza o discurso do “centro democrático” enquanto anistia o
bolsonarismo e criminaliza o progressismo. O país mergulha novamente em
um projeto de submissão ao capital estrangeiro, destruição de direitos,
entrega dos dados e das estatais, perseguição a lideranças populares e
dissolução de qualquer horizonte soberano. É a volta do colonialismo
digital e cognitivo sob nova roupagem, com apoio popular manipulado por
desinformação em massa e estratégias de guerra cultural.
Esses
cenários não são destinos inevitáveis, mas horizontes possíveis dentro
do conflito histórico que atravessa o Brasil. O que vai definir qual
deles se concretiza não será a sorte, nem apenas o jogo institucional.
Será a capacidade de organização, consciência, disputa de narrativa e
resistência popular diante da engrenagem de dominação que opera no
visível e no invisível.
Probabilidades dos Cenários 2025–2030: um exercício de futurologia.
Delinear
cenários possíveis é importante, mas projetar a probabilidade real de
cada um se concretizar é ainda mais crucial — especialmente num país que
vive sob guerra híbrida permanente e num mundo que assiste à
reconfiguração do sistema internacional. Abaixo, apresentamos uma
análise crítica sobre qual cenário é provável no Brasil entre 2025 e
2030 e, sobretudo, porque é provável.
Gráfico. Foto: Divulgação / Reprodução
Cenário 1 – Cerco estabilizado e governo em neutralização gradual (30%)
Este
cenário é, de fato, o retrato atual da conjuntura. O governo Lula foi
eleito, mas sem maioria parlamentar, com uma base aliada fragmentada,
sob chantagem do centrão e refém da governabilidade imposta pelo
mercado, pela mídia tradicional e pelas estruturas conservadoras do
Estado. Não há colapso institucional declarado, mas também não há margem
para reconstrução soberana real. No entanto, essa “estabilidade
controlada” é altamente instável e, por isso, não pode ser lida como o
cenário mais duradouro ou provável até 2030. A radicalização das forças
antidemocráticas continua viva, operando no subsolo da política, nas
plataformas digitais, nas igrejas e nos porões do Estado. A qualquer
movimento progressista mais contundente, a estabilidade se transforma em
tensão — e essa tensão pode escalar rapidamente.
Cenário 2 – Conflito híbrido total e radicalização da desestabilização (25%)
Este
é um cenário latente. A menor tentativa do governo de romper com a
cartilha neoliberal e resgatar uma agenda de soberania (regulação das
plataformas, integração latino-americana, reindustrialização verde,
fortalecimento de estatais, aliança estratégica com a China) pode ativar
novamente toda a engrenagem de sabotagem: lawfare, escândalos
fabricados, mobilização midiática, chantagem parlamentar e ativação das
massas religiosas e digitais.
A radicalização do conflito híbrido
não precisa de muito para acontecer. O alinhamento entre think tanks,
fundações norte-americanas, Big Techs e setores militares da América
Latina continua funcionando como um sistema neural paralelo ao Estado.
Esse cenário é o modo automático da guerra híbrida quando há tentativa
de reorganização soberana.
Cenário 3 – Reconstrução soberana e reorganização progressista (15%)
Este
cenário, embora desejável, é o mais frágil estruturalmente. Requer uma
força política e simbólica que o campo progressista ainda não
reconstruiu. A esquerda institucional perdeu parte de sua capilaridade
nos territórios, o bolsonarismo sequestrou a retórica popular em vastas
regiões do país, e as mídias independentes ainda não possuem força
suficiente para romper a hegemonia cognitiva do consórcio
mídia-mercado-religião-algoritmo.
Além disso, o cenário
internacional impõe limites: a pressão dos EUA sobre países do Sul
Global que buscam autonomia aumentou consideravelmente nos últimos anos,
como mostra a política externa agressiva de Biden e os movimentos do
chamado “Project 2025” nos bastidores da extrema-direita global. O
Brasil pode desejar reconstruir sua soberania, mas isso dependerá de
rupturas internacionais mais profundas ou de um novo pacto popular ainda
em gestação.
Cenário 4 – Avanço da extrema-direita e normalização do autoritarismo (30%)
Este
é o cenário que, embora ainda seja tratado com cautela por parte da
imprensa e da academia, é mais plausível do que muitos gostariam de
admitir. A extrema-direita brasileira não recuou. Ela se reconfigurou.
Fortaleceu seus canais digitais, ganhou projeção internacional com apoio
do trumpismo, organizou seus discursos em novas plataformas, penetrou
as periferias com linguagens religiosas e morais, e segue recebendo
financiamento de redes globais neoconservadoras. Além disso, o campo
institucional que deveria contê-la segue em parte capturado ou
hesitante. O Judiciário oscila entre medidas duras e recuos
estratégicos, o Congresso segue majoritariamente conservador, e os
militares, embora sem protagonismo público direto, não foram
desmobilizados como ator político latente.
Se houver uma crise
econômica, um novo escândalo fabricado, ou se as eleições de 2026 forem
conduzidas sob tensão extrema, com articulação de redes digitais,
lawfare e mobilização moral-religiosa, nada impede que a extrema-direita
retome o poder em 2026 ou 2030 com nova roupagem — e maior legitimação.
Nota metodológica sobre a projeção dos cenários.
Gráfico. Foto: Reprodução
As
estimativas de probabilidade atribuídas aos quatro cenários projetados
para o Brasil entre 2025 e 2030 foram construídas a partir de uma
análise qualitativa e multidimensional realizada por nós, como
pesquisadores, combinando leitura estrutural da realidade brasileira,
observação da conjuntura internacional, padrões históricos de
desestabilização política e a dinâmica das forças sociais em disputa.
Trata-se de um exercício estratégico que utiliza probabilidades como
ferramenta de análise prospectiva, com o objetivo de organizar as
possibilidades reais em disputa e oferecer uma leitura crítica dos
riscos e inflexões possíveis no ciclo político nacional. A base
metodológica considerou, entre outros fatores: (1) a correlação real de
forças no sistema institucional brasileiro (Executivo, Legislativo,
Judiciário, Forças Armadas e aparato de segurança); (2) o comportamento
das plataformas digitais, das redes bolsonaristas e do ecossistema de
desinformação; (3) o grau de penetração da extrema-direita nos
territórios, nas igrejas e nas estruturas de poder informal; (4) a
pressão externa vinda de atores como os Estados Unidos, a União Europeia
e as Big Techs em relação à política externa, energética, ambiental e
informacional do Brasil; (5) o papel da China, do BRICS+ e do Sul Global
na ampliação de alternativas estratégicas à hegemonia atlanticista; e
(6) a capacidade atual do campo progressista de reorganizar sua base
social, disputar narrativas e construir um projeto popular de soberania.
Essas
variáveis foram cruzadas com sinais fracos e fortes da realidade
presente, projeções baseadas em estudos comparativos internacionais
sobre guerra híbrida, relatórios de inteligência e eventos recentes do
ciclo político brasileiro. Embora não se trate de um modelo estatístico
formal, a metodologia adotada está alinhada com os princípios da análise
estratégica de cenários prospectivos e com abordagens críticas da
geopolítica contemporânea. O objetivo não é cravar certezas, mas
fornecer um mapa coerente de riscos e possibilidades, útil para
reflexão, preparação e ação política consciente.
Ou seja – O tempo da inocência acabou (se é que houve).
O
Brasil não vive um tempo de reconstrução plena, mas de disputa aberta. A
democracia formal foi restabelecida, mas segue sitiada. O bolsonarismo
não morreu, apenas mudou de tática. As forças que operam a guerra
híbrida contra o país não recuaram — elas aprenderam, reorganizaram suas
frentes e continuam a agir, com mais sutileza e sofisticação. O inimigo
não está mais apenas no palanque. Ele está nos algoritmos, nos
tribunais, nas redações, nos tratados internacionais, nos gabinetes de
lobby, nos acordos de cooperação “técnica”, nas missões diplomáticas
disfarçadas de ajuda, nos discursos aparentemente moderados sobre
liberdade de expressão e inovação digital.
A disputa que
atravessa o Brasil entre 2025 e 2030 não será decidida apenas nas urnas
ou no Congresso. Ela será travada no campo da informação, da soberania
tecnológica, da economia política dos dados, do direito à memória, da
justiça e da imaginação coletiva. Será vencida — ou perdida — na
capacidade do campo progressista de compreender que não há mais espaço
para ingenuidade ou apaziguamento diante da máquina de manipulação que
atua no subterrâneo da vida nacional.
Não se trata de temer o
futuro, mas de compreendê-lo em sua complexidade. A guerra híbrida que
recai sobre o Brasil é uma operação permanente de contenção do possível.
Seu objetivo é impedir que o país se torne uma referência global de
desenvolvimento com soberania. O que está em jogo é muito mais do que o
próximo ciclo eleitoral. É a definição do Brasil como potência ativa do
Sul Global — ou como colônia digital do império informacional que se
reorganiza no século XXI.
Cabe a nós a responsabilidade de
reconhecer os sinais, organizar as defesas, articular novas alianças e
produzir o conhecimento necessário para resistir. O tempo da inocência
acabou. A hora agora é de lucidez estratégica, coragem política e
vigilância permanente.
Mapa Causal da Guerra Híbrida em Curso.
Para
compreender com maior nitidez os caminhos que podem levar à vitória da
extrema-direita ou à possibilidade de reconstrução progressista no
Brasil até 2026, é necessário visualizar como se articulam, em rede, os
principais vetores políticos, informacionais e geopolíticos que operam
no cenário atual. O gráfico a seguir sintetiza essas relações em um
modelo de fluxo causal, partindo da reeleição de Donald Trump como ponto
de inflexão geopolítica e identificando como esse evento potencializa a
desestabilização do governo Lula, fortalece os mecanismos da guerra
híbrida e reorganiza o campo da extrema-direita no país. Trata-se de uma
representação estratégica das correlações de força que estruturam o
ciclo político em curso, destacando os fatores que podem conduzir o
Brasil a um novo retrocesso autoritário — ou, em menor probabilidade, a
um processo de inflexão soberana.
Gráfico. Foto: Divulgação / Reprodução
O
gráfico apresenta um modelo de fluxo causal que projeta os caminhos
possíveis para o Brasil até as eleições de 2026, partindo da reeleição
de Donald Trump em 2025 como elemento catalisador da nova fase da guerra
híbrida global. Com Trump no poder, há uma reativação direta do apoio
internacional à extrema-direita brasileira — por meio de financiamento, think tanks,
redes digitais e operações de desinformação — o que intensifica a
desestabilização do governo Lula, já fragilizado por chantagens
institucionais, limitações econômicas e isolamento narrativo. Essa
desestabilização estimula a fabricação de escândalos, o uso renovado do
lawfare e o avanço de campanhas morais e religiosas nas redes,
fortalecendo a mobilização das bases evangélicas e digitais. Com esse
terreno preparado, emergem novas candidaturas da extrema-direita — mais
"limpas", moderadas no discurso e amplamente apoiadas por elites
econômicas e midiáticas. Paralelamente, o campo progressista permanece
fragmentado, desmobilizado e com dificuldade de reocupar os territórios e
disputar a imaginação popular. Essa combinação de fatores faz com que,
segundo o cenário representado, a probabilidade de vitória da
extrema-direita em 2026 seja hoje de aproximadamente 60%, enquanto a
chance de vitória do campo progressista, caso mantenha sua trajetória
atual, seja de apenas 25%. Um terceiro caminho, mais incerto, porém
possível, representa um cenário de inflexão e reconstrução soberana, com
cerca de 15% de chance — e depende de uma reorganização estratégica
profunda, envolvendo narrativa, base social, comunicação e enfrentamento
direto da máquina de guerra híbrida. O gráfico, portanto, não apenas
projeta os caminhos possíveis, mas também alerta: a inércia favorece o
retrocesso. A única alternativa real está na ruptura consciente e
organizada com o ciclo da paralisia.
* Wanderley Anchieta -
pesquisador de Pós-Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM-UFF) com bolsa FAPERJ Nota
10. Doutor em Comunicação pelo mesmo curso. Desenvolve pesquisas sobre
narratologia, ficção e dramaturgia, desinformação
Mahmoud Khalil, no Counterpunch Foi preso nos EUA por protestar pacificamente contra o novo massacre de Israel contra o povo palestino, que continua.
Baby Deen, em uma foto fornecida pela Dra. Noor Abdalla e Mahmoud Khalil. Crédito da imagem: Rafiya Alam.
Yaba Deen, já se passaram duas semanas desde que você nasceu, e estas são minhas primeiras palavras para você.
Nas primeiras horas de 21 de abril, esperei
do outro lado de um telefone enquanto sua mãe trabalhava para trazê-lo a
este mundo. Eu ouvi suas respirações doloridas e tentei falar palavras
reconfortantes em seu ouvido sobre a linha crepitante. Durante seus
primeiros momentos, enterrei meu rosto em meus braços e mantive minha
voz baixa para que os outros 70 homens dormindo nesta sala de concreto
não vissem meus olhos nublados ou ouvissem minha voz pegar. Sinto-me
sufocado pela minha raiva e pela crueldade de um sistema que privou a
sua mãe e a mim de partilhar esta experiência. Por que os políticos sem rosto têm o poder de despojar os seres humanos de seus momentos divinos?
Desde aquela manhã, vim a reconhecer o
olhar nos olhos de cada pai neste centro de detenção. Eu me sento aqui
contemplando a imensidão de seu nascimento e me pergunto quantas mais
novidades serão sacrificadas aos caprichos do governo dos EUA, o que me
negou até mesmo a chance de licença para assistir ao seu nascimento.
Como é que os mesmos políticos que pregam “valores familiares” são os
que despedaçam as famílias?
Deen, meu coração dói que eu não poderia
segurar você em meus braços e ouvir seu primeiro grito, que eu não
poderia desfraldar seus punhos cerrados ou trocar sua primeira fralda.
Lamento não estar lá para segurar a mão de sua mãe ou para recitar o
adhan, ou chamar a oração, em seu ouvido. Mas a minha ausência não é
única. Como outros pais palestinos, eu estava separado de vocês por
regimes racistas e prisões distantes. Na Palestina, essa dor faz parte
da vida diária. Os bebês nascem todos os dias sem seus pais – não porque
seus pais escolhessem sair, mas porque são levados pela guerra, por
bombas, por celas de prisão e pela maquinaria fria da ocupação. A dor
que sua mãe e eu sentimos é apenas uma gota em um mar de tristeza que as
famílias palestinas se afogaram por gerações.
Deen, não foi uma lacuna na lei que me fez
prisioneiro político na Louisiana. Foi minha firme convicção de que
nosso povo merece ser livre, que suas vidas valem mais do que o massacre
televisionado que estamos testemunhando em Gaza, e que o deslocamento
que começou em 1948 e culminou no atual genocídio deve finalmente
terminar. Essa mera crença é o que fez o estado lutar para me deter. Não
importa onde eu esteja quando você lê isso – se eu estou neste país ou
em outro – eu quero impressionar você em uma lição:
A luta pela libertação palestina não é um
fardo; é um dever e uma honra que carregamos com orgulho. Então, em cada
ponto de viragem na minha vida, você vai me encontrar escolhendo a
Palestina. A Palestina por causa da facilidade. Palestina por causa do
conforto. A Palestina sobre si mesmo. Esta luta é mais doce do que uma
vida sem dignidade. Os tiranos querem que nos submetamos, obedeçamos,
sejamos vítimas perfeitas. Mas somos livres e permaneceremos livres.
Espero que você sinta isso tão profundamente quanto eu.
Deen, como refugiado palestino, herdei uma
espécie de exílio que me seguiu a todas as fronteiras, todos os
aeroportos, todas as formas. Fronteiras significam algo para mim que
elas podem não significar para você. Cada travessia exigiu que eu
provasse minha docilidade, minha identidade e meu direito de existir.
Você nasceu um cidadão americano. Você pode nunca sentir esse peso. Você
pode nunca ter que traduzir sua humanidade através da papelada,
inúmeros pedidos de visto e compromissos de entrevista. Espero que você
use isso não para se separar dos outros, mas para elevar aqueles que
vivem nas mesmas circunstâncias que uma vez me constrangeu. Mas não vou
fingir que essa cidadania protege você. Não completamente. Não quando
tiver o meu nome. Não quando os que estão no poder ainda vêem nosso povo
como ameaças.
Mahmoud Khalil Um dia, você pode
perguntar por que as pessoas são punidas por defender a Palestina, por
que a verdade e a compaixão se sentem perigosas para o poder. Estas são
perguntas difíceis, mas espero que a nossa história mostre isto: o mundo
precisa de mais coragem, não menos. Precisa de pessoas que escolham a
justiça em vez da conveniência.
Não é nada além da desumanização e
desrespeito racista pelos palestinos que torna suas vidas esquecíveis e
que ousa descrever os pais palestinos que amam seus filhos como
“terroristas”. Talvez seja por isso que o mundo esqueceu tão rapidamente
a morte de Iman Hijjo, de quatro meses, em Gaza, em 2001. Por que o amado filho de Ahmed Abu Artema,
Abdullah, morreu com fome de pão? Quem lembra as crianças perdidas no
Massacre da Farinha? Onde está a justiça para os pais na Cisjordânia que
vestem cuidadosamente seus filhos para a prisão? Por que a liberdade
não visita os corpos de crianças palestinas cujos membros estão
desaparecidos, cujas costelas estão expostas sob a pele fina e que
nascem amorosamente apenas para morrer sob uma bomba israelense?
Neste primeiro Dia das Mães para Noor, eu
sonho com um mundo onde todas as famílias se reúnem para celebrar as
mulheres incríveis em suas vidas. Muitos anos atrás, em um dos nossos
primeiros encontros, eu tinha perguntado a sua mãe o que ela mudaria no
mundo se ela pudesse. Sua resposta simples foi: “Eu só quero que as
pessoas sejam mais gentis umas com as outras”. Deen, você nasceu de uma
mãe tão gentil quanto ela é feroz. Eu oro para que você viva em um mundo
moldado por essa bondade. Espero, com todo o meu coração, que você não
testemunhe a opressão que eu conheci. Espero que você nunca precise
cantar pela Palestina, porque tem sido livre com dignidade e
prosperidade para todos. Se esse dia chegar, saiba que foi inaugurado
através da coragem daqueles que vieram antes de você. Estou certo de que
neste novo mundo, você e eu visitaremos Tiberias juntos, beberemos do
rio e nos maravilharemos com o mar. Lá, em uma Palestina livre e justa,
você verá os frutos de nossa luta.
Deen, o meu amor por ti é mais profundo do
que qualquer coisa que eu já conheci. Amar você não é separado da luta
pela libertação. É a própria libertação. Eu luto por você, e por cada
criança palestina cuja vida merece segurança, ternura e liberdade.
Espero que um dia você fique de pé sabendo que seu pai não estava
ausente por apatia, mas por convicção. E vou passar a minha vida
compensando os momentos que perdemos – começando com este, escrevendo
para você com todo o amor no meu coração.
?Yaba Deen: “Yaba” éياباum
termo afetuoso que significa “pai” em árabe. No árabe palestino, yaba é
frequentemente usado auto-referencialmente para centralizar o vínculo
pai-filho na própria saudação. Então, quando um pai diz “yaba”, ele está
usando uma voz terna e paterna para se dirigir ao seu filho, um pouco
como dizer: “Do seu pai, Deen” ou “Meu filho, do seu yaba (pai)”.
Mahmoud Khalil é graduado pela Schol de Assuntos Internacionais e Públicos da Universidade de Columbia.
De todos os epítetos fervilhantes da boca suja do rei Donald I (seu
título preferido) – “dilacerado”, “maluco”, “lágico”, “cravo”, “torno”,
“brincador”, “criminoso”, “corrupto”, o mais atual é o seu
favorito: “você ’ESTÁ DEMITIDO!”.
Lançado a partir de seu programa de TV, “O Aprendiz”, enquanto um
empresário fracassado, Trump, usando as presas venenosas de Elon Musk,
transmitiu essa frase de saída a centenas de milhares de funcionários
públicos inocentes, realizando tarefas cruciais e seus contratados desde
20 de janeiro de 2025.
Dado seus destroços de vidas, meios de subsistência, saúde, segurança
e liberdade de expressão aqui e no exterior em apenas 100 dias, Trump
convida diariamente o comando unificador que surge de sua declaração de
guerra contra o povo americano – estado vermelho e estado azul – “Você ESTÁ DEMITIDO!]!
Trump, uma corporação disfarçada de Humano, deve ser desmascarado pelo seguinte projeto de lei de detalhes:
Porque você é a primeira “apresentação de si mesmo” em 20 de janeiro
foi declarar que você é a lei e que nenhuma constituição, estatuto ou
regulamento iria parar a sua emissão de dezenas de ditados da ordem
executiva ilegal, “Você ESTÁ DEMITIDO!” A Constituição não prevê um monarca
ou um ditador!
Porque depois de 20 de janeiro de 2025, você lançou um grande PURGA
de funcionários públicos legalmente atuantes, incluindo 17 Inspetores
Gerais encarregados de erradicar atividades criminosas e fraudulentas, e
altos funcionários do Pentágono, agências de Inteligência e
Regulamentação sem motivo e aviso prévio, substituindo-os por
sicofantas, “Você ESTÁ DEMITIDO!”
Porque você diariamente está censurando e colocando em perigo pessoas protegidas
por nossa Primeira Emenda, com sequestros de estado policial, prisão
ilegal em prisões estrangeiras e domésticas, ameaças, assédio, fanatismo
e extorsões criminais diretas por demandas ilegais, “Você ESTÁ DEMITIDO!”
Porque você violou repetidamente os mandatos do Congresso, incluindo o
poder da bolsa e os padrões de saúde / segurança, e porque você tomou
ilegalmente a autoridade básica do Congresso sob a Constituição, tendo
desafiado mais de 125 intimações do Congresso em seu primeiro mandato,
destruindo nossos freios e contrapesos federais, Você ESTÁ DEMITIDO!!” (Veja,
“Wrecking America: How Trump’s Lawbreaking and Lies Betray All”, de Mark
Green, e eu, publicado em 2020).
Porque você está desenfreadamente e ilegalmente desmantelando ou
fechando praticamente toda a pesquisa regulatória e científica há muito
estabelecida, proteções da saúde, segurança e bem-estar econômico do
povo americano, famílias e crianças, dentro das áreas de consumo,
trabalhadores, ambientais e comunidades – muitas que salvam vidas,
“Você ESTÁ DEMITIDO!”
Porque você favorece um poder ainda maior das grandes corporações
para receber contratos inchados, subsídios, brindes e, com impunidade,
defraudar o governo, como com o Medicare e o Medicaid e os contratos
militares, assumir mais das terras públicas e ver dezenas de casos de
execução federal existentes contra eles interrompidos ou demitidos,
“Você ESTÁ DEMITIDO!”
Porque você destruiu mais do serviço civil de trabalho do que todos
os presidentes anteriores juntos, você deixou o povo americano mais
indefeso contra pandemias, violência climática, poluição do ar e da
água, fome, doenças infecciosas e crimes corporativos, “Você ESTÁ DEMITIDO!”
Porque você está exigindo que o Congresso passe mais cortes de
impostos e fugas de impostos para os super-ricos sobrecarregados, como
você e seus familiares, e corporações gigantes, e porque você
transformou a Casa Branca em um negócio de auto-enriquecimento para você
e seus comparsas, “você ESTÁ DEMITIDO!”
Porque você estendeu suas cruéis e cruas destruições contra inocentes
no exterior recebendo medicamentos que salvam vidas, alimentos e
suprimentos médicos dos EUA. Agência para o Desenvolvimento
Internacional que você fechou ilegalmente, milhões de pessoas pobres
estão em perigo e muitos milhares já morrendo e morrendo de fome. Você é
informado sobre essas tragédias que você causou, mas poderia se
importar menos. Seu ziguezague em tarifas maciças desestabilizando as
empresas dos EUA e seus trabalhadores está levando mais de seus
apoiadores a questionar sua competência e políticas equivocadas. Porque
sobre o genocídio israelense / abate de centenas de milhares de
palestinos em Gaza e vítimas que aumentam na Cisjordânia, você apoiou
seu mestre Netanyahu ainda mais do que Bibi-Biden, dando luz verde para
quebrar a trégua, retomando o assassinato / fome em massa, pressionando
pela expulsão de toda a população sobrevivente e aprovando a anexação da
Cisjordânia, “você ESTÁ DEMITIDO!
Porque todos os dias você mente e faz declarações falsas como uma
prática enganosa de rotina (mais de 35.000 mentiras e declarações falsas
listadas pelo Washington Post durante o seu primeiro mandato), você
está criando cenários prejudiciais e falsos. Juntamente com Musk
enriquecendo suas posições corporativas em Washington, você mente sobre
as realidades de cada dia, como o preço dos ovos caindo 85%, nosso país
agora tendo um superávit comercial e seu índice de aprovação nas
pesquisas “nos anos 60 e 70”, “você ESTÁ DEMITIDO!”
Como seu comportamento de “primeiro” fascista do estado corporativo
fascista e sem restrições, procede de uma personalidade perigosamente
instável, impulsionada por sua vingança insaciável como uma aberração de
poder megalomaníaco, ignorante ou alheia a circunstâncias e
consequências, seus destroços contínuos em todas as direções certamente
piorarão e destruirão nossa República e seus processos constitucionais,
“Você ESTÁ DEMITIDO!”
Um número crescente de americanos de todas as origens que veem os
meses mortais à frente do perigoso Donald precisa resumir suas demandas
na sirene chamada “Você ESTÁ DEMITIDO!” Assim como foi feito ao presidente
Richard Nixon por transgressões muito menos sérias em 1974.
Quase exatamente 30 anos atrás, Canadian Bacon retratou
um presidente dos EUA indo contra seu vizinho ao norte para aumentar seus
índices de aprovação. Estrelado por Alan Alda, John Candy e Rhea
Perlman, o filme deveria ser uma comédia. O diretor Michael Moore estava
tentando satirizar a propensão dos EUA para invadir outros países.
Levando essa noção ao seu limite absurdo, Moore escolheu retratar uma
escaramuça com o Canadá.
Ah, bons velhos tempos, quando você podia rir dessas coisas.
Marx escreveu uma vez, no que diz respeito ao retorno de um
Bonaparte, que “a história se repete, primeiro como tragédia, depois
como farsa”. Obviamente, Marx não poderia ter antecipado a ascensão de
Donald Trump, que fez uma carreira política de transformar Marx de
cabeça para baixo, transformando farsa em tragédia. Basta comparar seu
primeiro mandato (hah-hah!) para seu segundo mandato (uh-oh!).
Quando se trata do Canadá, Trump ainda não enviou o exército dos EUA
através da fronteira. Mas não descarte isso – ou a possibilidade mais
provável de que ele despache forças militares para o México para
combater os narcotraficantes (ou parar os migrantes da América Central
em suas trilhas).
Enquanto isso, Trump conseguiu usar suas amadas tarifas para
interromper as relações econômicas com o Canadá e o México. Em meio a boicotes aos produtos dos EUA e um declínio acentuado dos turistas em direção ao sul, o primeiro-ministro canadense, Mark Carney, declarou
que a relação EUA-Canadá, “com base no aprofundamento da integração de
nossas economias e da estreita segurança e cooperação militar, terminou”.
A mexicana Claudia Sheinbaum, embora fale duramente sobre a soberania mexicana, tomou uma abordagem diferente ao negociar mano a mano com Trump. Mas as disputas sobre água, drogas e migrantes estão, no entanto, empurrando as relações para um ponto de ruptura. Trump já apressou as tropas dos EUA para assumir o controle da terra perto da fronteira sul. Não seria preciso muito para ele empurrá-los para o outro lado da linha.
O acordo comercial que substituiu o Nafta e que o próprio Trump
tanto elogiou quando ele o assinou em lei em 2020 está sendo revisado. É
difícil não antecipar que o rancor que Trump tenha despertado entre o norte e
o sul irá condenar esse esforço antes mesmo de começar.
Talvez como um empresário do Vale do Silício, Trump veja a América do
Norte como um modelo que precisa de disrupção. Mas geralmente esses
empreendedores têm uma alternativa em seus bolsos traseiros para
substituir o status quo supostamente falho – o Uber substituindo táxis,
digamos, ou iPhones substituindo telefones flip.
Que alternativa Trump poderia estar propondo para a América do Norte?
As esferas da influência
É popular em alguns círculos imaginar que Donald Trump é um
estrategista geopolítico. Aqui, também, é um caso de farsa ser
ultrapassada pela tragédia. Trump é um especialista em política externa?
Que piada. Oh, espere, é realmente pior do que isso...
Considere, por exemplo, a noção de que Trump está executando um
“Kissinger Reverso” com sua política em relação à Rússia. Há meio século,
Richard Nixon, guiado por seu conselheiro Henry Kissinger, executou uma
aproximação com a China para pressionar a União Soviética. Hoje, de
acordo com essa teoria fantasiosa, Trump está empurrando uma distensão com a Rússia, a fim de pressionar a China.
Não há tal cálculo oculto no cortejo de Trump a Putin. Os dois
líderes compartilham obsessões ideológicas – amor à expansão territorial
e ao controle autocrático, ódio aos liberais e círculos eleitorais
“acordados” – e Trump quer acabar com a guerra na Ucrânia por qualquer
meio necessário. A China ocupa uma parte diferente de sua mente: um
concorrente econômico com pouca ou nenhuma sobreposição ideológica.
Agora vamos considerar outra tentativa de impor sentido geopolítico
em um conjunto díspar de políticas de administração: que Trump quer
restabelecer uma ordem mundial mais antiga com base em esferas de
influência.
De acordo com essa noção,
Trump ficaria feliz em permitir que a China presidisse uma esfera da
Ásia-Pacífico. A Rússia administraria o território da antiga União
Soviética. A Europa teria que desistir da Ucrânia, mas receberia em
troca o Norte da África e talvez todos os pontos ao sul. Israel, como
uma espécie de representante da Europa, dividiria o Oriente Médio com os
sauditas.
E os Estados Unidos reinariam supremos na América do Norte – além
disso, segundo a Doutrina Monroe, toda a América Latina. Jogar na
Groenlândia e Trump estaria olhando para fazer as Américas grandes novamente.
Tal divisão do mundo pode muito bem apelar para a mentalidade
empresarial de Trump, com países substituindo impérios corporativos que
controlam mercados claramente demarcados.
Mas Trump não está retirando os Estados Unidos do teatro do Pacífico
tão cedo. Sua administração está dobrando sua contenção da China –
através de alianças, expansão de bases do Pacífico e aumento dos gastos do Pentágono.
Talvez ele esteja disposto a tolerar o controle chinês sobre o
território que reivindica, incluindo Taiwan. Mas mesmo isso não está
claro, dados os recentes exercícios de combate EUA-Filipinas no Mar do Sul da China e as sanções impostas às autoridades de Hong Kong
por facilitarem a supressão do movimento democrático desse território.
Além disso, ele não desistiu de outras partes do mundo – Ucrânia, África
– onde ele quer o que está debaixo do solo.
As tarifas de Trump apontam para uma estratégia diferente, não para
esferas de influência, mas para antiglobalização, pura e simples. Trump
suspeita de qualquer esforço internacional que coloque os Estados
Unidos em uma mesa de iguais, e ele é surdo à realidade de que os
Estados Unidos sempre estiveram em primeiro lugar entre iguais
quando se tratava da globalização. Trump não gosta da ONU, do FMI, do
TPI. Ele não gosta do sistema nervoso da globalização econômica com seus
acordos comerciais multilaterais e superestrutura regulatória. Ele
prefere relações bilaterais onde os Estados Unidos possam jogar seu peso
e intimidar os países mais fracos. Ele despreza a UE porque dá às
nações menores, como a Dinamarca, o poder de enfrentar os Estados
Unidos.
O que nos leva de volta à América do Norte.
As tarifas que dividem
Tarifas contra o México e o Canadá não fazem sentido econômico. Não é
apenas que eles irritam os amigos, aumentam os preços em casa e não
conseguem aumentar a receita que Trump fantasia.
É a natureza da relação econômica entre os países que tornam essas tarifas autodestrutivas.
Considere o exemplo dos aparelhos médicos. O México é o terceiro maior exportador
de aparelhos médicos do mundo e envia quase US$ 12 bilhões desses
instrumentos para os Estados Unidos. As tarifas sobre essas importações aumentarão os custos para os hospitais dos EUA e, por extensão, os pacientes nesses hospitais.
Ah, mas adivinhe: esses dispositivos fabricados no México são
fortemente dependentes de microchips dos EUA. E a Lei CHIPS sob a
administração Biden procurou apertar essa relação,
a fim de reduzir a dependência de semicondutores produzidos na Ásia.
Assim, a imposição de tarifas aos fabricantes mexicanos também
penalizará as empresas americanas que produzem componentes para esses
dispositivos médicos. Isso significa o desaparecimento dos empregos nos
EUA e a vantagem competitiva dos EUA nas exportações de alta tecnologia.
E isso é apenas uma indústria.
A mesma lógica econômica perversa se aplica à fabricação de carros
nos EUA, já que não existe um carro completamente feito nos EUA. Cerca de 40% das peças de automóveis são feitas no exterior, com o México fornecendo no ano passado cerca de 42% dessas peças e o Canadá 10%. Trump, aparentemente inconsciente da realidade das cadeias de suprimentos, recuou recentemente
para considerar uma renúncia temporária sobre tarifas para peças de
automóveis para ajudar Detroit a fazer a transição para peças fabricadas
nos EUA. Mas por que alguém faria esses enormes investimentos em
fábricas de peças de automóveis nos Estados Unidos se um futuro
presidente – ou o sempre mercurial Trump – pudesse mudar a política
econômica e encaixotar esses ativos?
Então, esqueça as vantagens de criar um mercado norte-americano que
depende de vantagens comparativas (mais energia hidrelétrica no Canadá,
uma estação de crescimento mais longa no México). Trump vê um déficit
comercial e acredita que o país está roubando os Estados Unidos.
(Espere, ele não foi para a Wharton School? Ele pulou o Econ 101?)
Sim, há problemas com a globalização, desde uma corrida até o fundo
em torno do trabalho e padrões ambientais até as ridículas emissões de
carbono associadas ao equivalente moderno de enviar carvão para
Newcastle. Mas as tarifas de Trump não são projetadas para resolver
nenhum desses defeitos.
Em vez disso, os movimentos de Trump simplesmente reorientarão o
comércio global pelos Estados Unidos, assim como é uma rocha enorme e
estúpida no meio de um rio. No momento, três quartos das exportações
canadenses e mexicanas vão para os Estados Unidos
(e cerca de um terço das exportações dos EUA vão para o Canadá e o
México). Apesar da conveniência de exportar para um vizinho, o Canadá e o
México vão começar a procurar em outro lugar para vender seus produtos.
Outros países – China, Alemanha – vão colher as vantagens da idiotice
econômica de Trump.
O futuro da América do Norte
O Canadá não vai se tornar o quinquagésimo primeiro estado americano. Mesmo que os canadenses favorecessem tal movimento – e 80% se opõem fortemente a ele
– o Partido Republicano acabaria votando para manter o Canadá fora. Os
republicanos nem querem fazer de Washington DC um estado, por medo de
adicionar mais dois democratas ao Senado. Eles obviamente não vão
receber todos os canadenses de centro-esquerda nos EUA. O Congresso.
Em vez disso, Trump está empurrando o Canadá mais para longe. Vai
aproximar-se da Europa. Apesar das atuais tensões comerciais com a
China, pode consertar as cercas e formar um vínculo econômico mais forte
também.
As relações dos EUA com o México também podem ir para o sul, muito rapidamente. A administração Trump tem considerado ataques de drones
contra cartéis de drogas mexicanos. Embora os dois países estejam
coordenando a vigilância desses cartéis, Trump está reservando o direito
de atacar unilateralmente. “Rejeitamos qualquer forma de intervenção ou
interferência”, respondeu Claudia Sheinbaum.
Normalmente, os três países lidariam com suas disputas – as
econômicas, pelo menos – através da revisão do Acordo EUA-México-Canadá,
a substituição do NAFTA que o próprio Trump apoiou. Mas as ações
unilaterais de Trump questionam se o USMCA sobreviverá. O presidente dos
EUA pode muito bem ameaçar se retirar do acordo se o México e o Canadá
não fizerem concessões futuras, especialmente em torno de manter a China
fora de seus mercados. Trump pode apontar para dois tratados
bilaterais.
O bullying, infelizmente, muitas vezes produz resultados. Trump pode fortalecer os partidos mais fracos – Colômbia, Universidade de Columbia
– para fazer acordos. Mas isso só funciona a curto prazo. Com o tempo,
os fracos encontram aliados mais fortes para que possam eventualmente
enfrentar o bullying.
A China e a União Europeia estão assistindo pacientemente à
destruição da América do Norte por Trump. Claro, eles sofrerão alguns
danos colaterais. Mas as oportunidades que as rupturas de Trump estão
produzindo transformarão o Dia da Libertação para a América em uma
bonança de Natal para todos os outros.
O capitalismo, como a Antártida e como a floresta amazônica, está sob
ameaça de destruição por níveis excessivos de emissões de CO2 que
causam mudanças climáticas radicais. O risco de algum nível de extinção
do capitalismo vai ao cerne de um artigo recente escrito por Gunther
Thallinger, membro do Conselho de Administração do Grupo Allianz (est.
1889, Munique) a maior companhia de seguros do mundo: Clima, Risco, Seguros: O Futuro do Capitalismo d / d / 25 de março de 2025.
- Sr. Mr. O artigo provocativo de Thallinger começa explicando a
relação entre as emissões de CO2 e “a quantidade de energia” presa na
atmosfera, que é uma maneira de dizer “aquecimento global preso na
atmosfera”, enquanto ele desenha uma ligação direta entre os dois.
- Sr. Mr. Thallinger explica os riscos: “Esses fenômenos climáticos
extremos impulsionam riscos físicos diretos para todas as categorias de
ativos de propriedade humana – terras, casas, estradas, linhas de
energia, ferrovias, portos e fábricas. O calor e a água destroem o
capital. Casas inundadas perdem valor. Cidades superaquecidas tornam-se
inabitáveis. Classes de ativos inteiras são degradantes em tempo real, o
que se traduz em perda de valor, interrupção de negócios e
desvalorização do mercado em um nível sistêmico.
Se é assim que um membro do conselho da maior companhia de seguros do
mundo vê os riscos para a estrutura de ativos do capitalismo, então os
chefes capitalistas do mundo devem considerar seriamente alterar a
natureza destrutiva da mudança climática o mais rápido possível,
omitindo as emissões de CO2.
Thallinger explica os riscos para os mercados do capitalismo: “O
setor de seguros historicamente gerenciou esses riscos. Mas estamos nos
aproximando rapidamente dos níveis de temperatura 1,5oC, 2oC, 3oC, onde
as seguradoras não poderão mais oferecer cobertura para muitos desses
riscos. A matemática quebra: os prêmios exigidos excedem o que as
pessoas ou empresas podem pagar. Isto já está a acontecer. Regiões
inteiras estão se tornando inseguráveis.”
Riscos de Crunch de Crédito Induzido pelo Clima
Por conseguinte, ““Este não é um ajuste de mercado
único. Trata-se de um risco sistémico que ameaça a própria base do
sector financeiro. Se o seguro não estiver mais disponível, outros
serviços financeiros também ficam indisponíveis. Uma casa que não pode
ser segurada não pode ser hipotecada. Nenhum banco emitirá empréstimos
para bens não seguráveis. Os mercados de crédito congelam”.
Thallinger continua explicando como as mudanças climáticas excessivas
prejudicam o capitalismo a “fracação do mercado impulsionada pelo
clima”. Nada poderia ser uma coincidência mais estranha do que o
capitalismo autodestruir através da gênese da industrialização
alimentada pelo petróleo.
As soluções para as mudanças climáticas são difíceis além de
interromper as emissões de combustíveis fósseis, ponto final. Por
exemplo, o apoio estatal em que o seguro não cobre os danos não é uma
opção realista, pois múltiplos desastres relacionados ao clima
sobrecarregam os orçamentos públicos além da aceitação pelos
contribuintes. Consequentemente, vários desastres climáticos levam à
austeridade governamental ou ao colapso. Não há intermediário e nenhuma
opção é satisfatória para uma economia capitalista vibrante.
Quanto à adaptação às mudanças climáticas, Thallinger não vê nenhuma
saída fácil, alegando “o falso conforto de adaptação” como mais uma
desvantagem para a complexidade do aquecimento global. “Não há como
‘adaptar’ a temperaturas além da tolerância humana.” E a adaptação, por
definição, é limitada com mega incêndios e cidades construídas em
planícies de inundação. Não há respostas fáceis.
Por implicação, Thallinger assume que o aquecimento de 3oC está no
convés, pois ele afirma que a situação está “trancada uma vez que 3oC é
alcançado”, admitindo que não há como voltar atrás devido à inércia do
ciclo do carbono e à ausência de tecnologias escaláveis de remoção de
carbono industrial. “Nesse ponto, o risco não pode ser transferido (sem
seguro), o risco não pode ser absorvido (sem capacidade pública) e o
risco não pode ser adaptado (limites físicos excedidos). Isso significa
que não há mais hipotecas, nenhum novo desenvolvimento imobiliário,
nenhum investimento de longo prazo, nenhuma estabilidade financeira. O
setor financeiro como o conhecemos deixa de funcionar. E com isso, o
capitalismo como o conhecemos deixa de ser viável”.
Em conclusão, Thallinger diz que devemos queimar menos carbono e / ou
capturá-lo no ponto de combustão. Enquanto isso, a tecnologia para sair
dos combustíveis fósseis é existente, solar, eólica, armazenamento de
bateria, hidrogênio verde são soluções escaláveis. O que falta é
“velocidade e escala operacional”. Embora, alguns cientistas acreditam
que “o tempo está se esgotando rapidamente”, talvez muito rápido.
No entanto, Thallinger não menciona o maior impedimento para resolver
o imbróglio da mudança climática, a política. Os EUA, normalmente o
líder mundial em questões de escala global, desistiram da corrida da
mudança climática. Os EUA estão promovendo mais emissões de CO2 através
do aumento da perfuração de petróleo e gás e produção adicional de
carvão, além de reduzir drasticamente a EPA e a NOAA, que são
agências-chave para resolver o imbróglio das mudanças climáticas, o que é
o oposto do que Thallinger recomenda para salvar o capitalismo.
Robert Hunziker vive em Los Angeles e pode ser contatado em rlhunziker.com.